Texto publicado originalmente no Relatório Anual 2020 do Instituto Arapyaú*
O ano de 2020 jogou luz sobre a essência de nossos tempos: problemas complexos, mudanças velozes e cenários extremamente voláteis determinam o passo de nossa jornada. As incertezas se radicalizam em ritmo muito superior à nossa capacidade de antevisão e planejamento, e nos exigem saltos de adaptação cada vez mais ágeis. A pandemia do novo coronavírus é o mais recente retrato dessa engrenagem. No Brasil, a crise desencadeada pela covid-19 adquiriu contornos ainda mais graves, nos lançando a um mar de desafios que segue revolto, mas que nos aponta um horizonte de numerosas e promissoras oportunidades.
Para além de testar nossa habilidade em dar respostas de curtíssimo prazo a uma crise de múltiplas faces – sanitária, social e econômica –, a pandemia nos leva à constatação do óbvio e do inevitável. A ciência que viabilizou a invenção de vacinas em tempo recorde é a mesma ciência que alerta, reiteradamente, que as mudanças climáticas têm e terão enormes impactos sobre a dinâmica da vida no planeta. A isso, soma-se o fato de que as profundas desigualdades que sustentaram o atual modelo de desenvolvimento agora podem aniquilá-lo. O que faremos?
A noção de que o meio ambiente, a sociedade e as economias constituem uma amálgama indivisível se torna cada vez mais clara, e nos convoca a redesenhar as engrenagens de nosso modelo de desenvolvimento. Afinal, a roda da economia depende do bem-estar das pessoas e do planeta para girar, e isso só será possível na medida em que busquemos o equilíbrio. É o que tem se chamado, globalmente, de Green New Deal: descarbonizar a economia sem deixar ninguém para trás, com a clareza de que o mundo pós-pandemia não poderá ser o mesmo. Embora o desafio tenha proporções gigantescas, ele vai ao encontro da essência do Arapyaú: trabalhar por mudanças sistêmicas e duradouras, que façam do mundo um lugar mais justo, mais próspero e mais saudável para todos.
No horizonte das empresas e do mercado financeiro, as premissas ESG (environment, social and governance, na sigla em inglês), que abarcam questões ambientais, sociais e de governança, tornam-se mais relevante que nunca, e devem pavimentar as transformações que veremos daqui para frente. Nesse sentido, a cooperação entre governos, setor privado e sociedade civil será não apenas bem-vinda, mas indispensável – e, mais uma vez, nossa essência nos coloca em vantagem competitiva. Ao longo dos últimos 12 anos, a combinação entre senso de urgência com a premissa do “fazer junto” guiou nosso caminho. É também dessa forma que responderemos aos desafios dos próximos anos.
No Brasil, os dramáticos desdobramentos da crise da covid-19 se deram em meio a taxas recordes de desmatamento da Amazônia – o que submeteu os povos indígenas a um duplo risco, e colocou o país na contramão das metas globais de corte de emissões de gases-estufa. Nesse contexto, nossa crença na promoção do bem comum se reafirma. Em 2020, surge Uma Concertação pela Amazônia, com a proposta de institucionalizar o debate sobre a região e suas necessidades – e assim gerar condições para que a sociedade brasileira possa, de fato, se apropriar da responsabilidade de deter uma região tão relevante para o país e para o mundo.
Formada por uma rede de mais de 250 lideranças, oriundas do setor privado, da academia, dos governos, das organizações não-governamentais e das comunidades amazônicas, a Concertação visa a abrir caminhos para a construção coletiva de um modelo de desenvolvimento que contemple e valorize o imenso capital natural amazônico, bem como o capital sociocultural ali firmado. Para isso, reúne diferentes vozes – e agrega, de maneira inédita, um grande número de empresas (brasileiras e multinacionais) que atuam na Amazônia, afetando diretamente ou indiretamente a dinâmica daquele território.
Numa ampla mobilização que reúne conhecimento científico, perspectiva local, estratégia empresarial responsável e criação de políticas públicas efetivas, o impulsionamento da Concertação é mais um exemplo da essência do Instituto Arapyaú: guiados pelo princípio da cooperação e munidos do poder transformador que as redes proporcionam, trabalhamos em prol do desenvolvimento sustentável – e da boa governança necessária à geração de impacto positivo para os territórios e para as pessoas.
É o que temos feito em doze anos de atuação no sul baiano, e junto a redes que contribuem enormemente para a qualificação do debate público socioambiental, como são os casos da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Em rede e pelas redes, continuamos a apostar em um Brasil mais justo e harmonioso.
*Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú
[Foto: José Eduardo Camargo/Pixabay]