Artigo publicado originalmente na revista Opiniões ed. 41, set-nov/2015.
Um dos principais estudiosos do papel da inovação na gestão empresarial, David Teece, do Institute for Business Innovation da Universidade da Califórnia – Berkeley, aborda, há alguns anos, o conceito de Capacidades Dinâmicas. A sua aplicação para o setor florestal é mais atual do que nunca. O setor passa por importantes rupturas tecnológicas em três fronteiras: florestal, industrial e modelos de gestão.
Para Teece, os vencedores no âmbito global serão aquelas empresas capazes de responder ao rápido e dinâmico ambiente inovador, demonstrando capacidades gerenciais para incorporar novas competências para lidar com os novos desafios internos e externos que se apresentam. Ou seja, a inovação não se dá apenas no campo das novas tecnologias ou produtos, mas exige novas competências em modelos de gestão.
O conceito das Capacidades Dinâmicas enfatiza dois aspectos: o primeiro é a capacidade de entender e incorporar velozmente mudanças do ambiente externo; a segunda, a necessidade de adaptar, integrar e reconfigurar elementos organizacionais, recursos, competências e rotinas funcionais. As mais de 4.000 pessoas que participaram do World Forestry Congress, que aconteceu em Durban durante a primeira semana de setembro, puderam entender que as previsões de demanda por produtos florestais crescem rapidamente.
O principal motor desse fenômeno é a consolidação da bioeconomia com segmentos de mercados ampliados (energia, biomateriais, indústria química). As empresas mais tradicionais do setor lideram esse processo, atentas às demandas de consumidores finais e elementos reputacionais de integrantes da cadeia de valor. É emblemática a frase amplamente exposta pela Stora Enso, uma das mais antigas e inovadoras empresas do setor: “Tudo o que é feito de combustível fóssil hoje poderá ser feito a partir de uma árvore amanhã”.
A oferta nas dimensões estimadas só poderá ser atingida com intensificação das plantações e maior eficiência e adoção dos sistemas de manejo sustentável no mundo todo. Essas tendências se confirmam pela redução das taxas de desmatamento e consequente diminuição da oferta de madeira derivada de conversões florestais. No âmbito florestal, se consolidam as inovações na silvicultura de precisão, incluindo o monitoramento (do processamento de imagens de satélites ao uso de drones) e o uso rotineiro de georreferenciamento e data management.
A biotecnologia avança a passos largos, com impactos na produtividade, na resistência a pestes e adaptação a condições ambientais, como estresse hídrico e solos com deficiências nutricionais. Estima-se que, até 2050, o melhoramento genético pode ter o potencial de dobrar o IMA (incremento médio anual) mundial. A aplicação da biotecnologia é um bom exemplo de como o conceito de Capacidades Dinâmicas pode ser aplicado.
A fronteira não está apenas na inovação tecnológica, mas demanda fortemente a incorporação de competências na condução do debate sobre árvores geneticamente modificadas. Embora iniciativas de diálogo tenham crescido substancialmente, parte dos agentes envolvidos (não só ONGs, mas também empresas diretamente envolvidas com o consumidor final) ainda hesitam, embora reconheçam a inexorabilidade tecnológica. O debate vai além da questão da segurança ambiental, abrangendo elementos ideológicos, como distribuição dos benefícios sociais da aplicação da nova tecnologia.
Ainda no campo florestal, conhecimentos aplicados à regeneração florestal e à recuperação de áreas degradadas são demanda forte, com ampla discussão sobre modelos silviculturais de espécies nativas e atenção aos diversos modelos de restauração existentes. Na área da silvicultura, o conceito de uso múltiplo se estabelece como paradigma de boa prática. Países com maiores rendas, a maioria no hemisfério Norte, dominam amplamente a sua adoção, mas a aplicação ainda é bastante restrita no Brasil.
De uma maneira geral, amplia-se a utilização múltipla e total das árvores e de subprodutos florestais e industriais, como a lignina no setor de papel e celulose e resíduos de serrarias no setor da madeira sólida. No front do processamento industrial, destacam-se avanços em bioenergia, seja no uso direto da madeira como componente térmico ou termoelétrico, seja na produção direta de combustíveis de segunda geração. O mercado de biomateriais se amplia, com forte destaque para bioplásticos, têxteis, biocompostos, painéis e materiais automotivos, com especial destaque para produtos de baixo peso, com impacto positivo nas emissões de gases de efeito estufa do setor de transporte.
A aplicação de produtos florestais na produção de compostos químicos como açúcares, fenóis, ácidos, abrasivos, colas e outros segue se desenvolvendo com produções entrando em escalas piloto e industriais na América do Norte e países nórdicos. As inovações na indústria florestal incluem avanços na área da rastreabilidade de produtos, especialmente críticas em produtos oriundos de zonas tropicais, seguindo a tendência de monitoramento da origem, além da legalidade, demandada por reguladores dos principais países compradores.
É outro bom exemplo de como as Capacidades Dinâmicas extrapolam o ambiente interno das empresas, frequentemente limitadas ao mundo do que acontece em suas florestas e indústrias. O aumento da complexidade das transações comerciais e aceitação de produtos demandam competências inovadoras na fronteira do marketing, relacionamento, gestão de marcas e reputação. O dinamismo no mundo da gestão de externalidades e da licença social para operar explica o crescimento da certificação voluntária, notadamente FSC, e de iniciativas como The Forest Dialog e New Generations Plantations.
A participação ativa nesses fóruns demanda competências complementares às tradicionais, representando o que Teece considera desafios externos dinâmicos. Não é por outro motivo que há consenso de que o consumo será determinante na inovação, especialmente com aumento da conscientização do papel positivo de florestas e produtos dela derivados nas mudanças climáticas e consequente demanda por produtos alternativos a combustíveis fósseis. O desenvolvimento de inovações no campo florestal está diretamente ligado ao conceito de consumo responsável.
O papel das florestas no âmbito das mudanças climáticas, na relação com a sociedade e os consumidores, exige o que parece ser a principal inovação em modelos de gestão: a ampliação da integração do mundo florestal com outros setores, como energia e agronegócio, dentro do contexto de landscape models, incluindo restauração e serviços ambientais. O foco míope no ambiente interno não cabe no conceito das Capacidades Dinâmicas. Não há como ignorar que a tendência do setor florestal é ser protagonista das principais exigências do uso ampliado do solo ocupado por suas árvores e indústrias. A visão espacial, territorial, com seus complexos componentes sociais, ambientais e políticos, tem que fazer parte do repertório dos gestores da indústria.
* Presidente do Conselho de Administração da Amata
[Foto: Deva Darshan/Unsplash]