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Governança e externalidades

por | 01/09/2014 | Externalidades, Governança

Artigo publicado originalmente na Página 22

O olho do dono engorda o boi… E também gera mais gases de efeito estufa

Parece haver consenso de que empresas causam externalidades. Por outro lado, não é tão evidente o quanto essas externalidades afetam o valor das corporações, apesar do crescente número de casos em que passivos legais ou intangíveis prejudicaram balanços e valuations (valor de mercado da empresa).

Ao afetar o valor, toca acionistas e mobiliza gestores de capital financeiro. Estes, mais do que atingidos, são os responsáveis finais pelos impactos causados por organizações nas quais detêm ou alocam recursos.

A gestão de externalidades no mundo empresarial acompanha a crescente importância de aspectos socioambientais no dia a dia das organizações. Da área de recursos humanos ou de operações, migrou para gerências dedicadas à responsabilidade social corporativa e para as diretorias. Mais recentemente, foram incorporadas ao arsenal básico de CEOs. Acionistas e investidores, há até pouco tempo, “escondiam-se” atrás do desempenho de seus executivos.

Mas a “bomba” dos passivos acaba estourando no valor e atingindo seus bolsos. Já os negócios inovadores, fundamentados em externalidades positivas, são os que mais têm resultados promissores.

Investidores e acionistas costumam agrupar-se em conselhos de administração para direcionar e monitorar suas empresas. A governança corporativa é central na gestão do valor das organizações e, consequentemente, tornou-se um dos principais fóruns para lidar com o que afeta sua criação ou destruição. Não há como deixar de incorporar a gestão de externalidades em suas pautas.

No entanto, a relação entre acionistas e investidores nessa seara é repleta de lacunas. Boa parte delas está em conselhos disfuncionais ou na ausência completa de sistemas de governança. Mesmo em organizações com boas práticas, faltam mecanismos específicos para uma abordagem ampla de externalidades. Instrumentos nesse campo avançam, sustentados por uma sequência de ações voltadas para identificação, qualificação, avaliação do grau de materialidade, quantificação e, sempre que possível, monetização dos impactos.

Um dos elementos centrais é o tempo. Investidores, acionistas e gestores tendem a priorizar o curto prazo. Mas surgem cada vez mais exemplos em empresas do mainstream que vão na direção oposta. Paul Polman, CEO da Unilever, ressalta a importância do longo prazo, do vínculo com causas, da visão sistêmica e da relação com a sociedade.

Em grande parte das situações, resultados de curto prazo não estão alinhados com os de longo prazo. Há grande arte na compatibilização do elemento temporal na gestão e construção de valor das organizações.

Os modelos de gestão e incentivos são críticos nesse jogo. Planilhas de metas anuais e relatórios contábeis trimestrais, por exemplo, podem induzir rotinas a um horizonte temporal muito restrito, levando a uma construção ilusória de resultados e valor. Sistemas de remuneração e compensação de executivos voltados para esses instrumentos podem representar armadilhas.

Isso também vale para gestores de capital e investidores com expectativas de retorno de curto prazo. Nesses casos, o “boi gordo” será vendido, o resultado econômico apurado, mas as consequências negativas de longo prazo não serão incorporadas ao valor.

Esse modelo tradicional tem sido fortemente questionado pela sociedade civil, por investidores com perfil de investimento de longo prazo e por seguradoras e resseguradoras, crescentemente afetadas por passivos ambientais. Projeções de externalidades no tempo afetam as equações de valoração em várias frentes: na monetização de capitais considerados intangíveis, no risco, na tangibilização de passivos, nas questões reputacionais e de marca, na estabilidade dos negócios e na atração de talentos. O estágio emergente da incorporação de externalidades nas estratégias empresariais tem como consequência, em muitos casos, maior dissonância de expectativas entre aqueles que têm capital financeiro alocado em empresas.

O espectro de possibilidades se amplia. O alinhamento com demandas da sociedade, com poder crescente na licença para operação, é cada vez mais complexo e relevante. A busca de consenso entre acionistas e investidores resulta frequentemente em um mínimo denominador comum, sem espaço para uma abordagem ampla das externalidades. As valorações acabam sendo incompletas, modelos de negócios geradores de externalidades positivas não avançam, e aqueles com fortes impactos negativos sobrevivem. Mas o fato é que os responsáveis finais pelos gases dos bois estão cada vez mais evidentes.

*Roberto Waack é presidente do Conselho de Administração da Amata

[Foto: Natalia Ventskovskaya/Unsplash]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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