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Uma luz sobre a floresta

por | 20/01/2019 | Amazônia

Artigo publicado originalmente na revista Época Negócios.

Amazônia virou assunto de conversas no elevador. Percebi isso durante uma visita recente a Londres. Ao lado de empresários, políticos, ambientalistas e cientistas brasileiros, estive na cidade em maio passado para participar de uma reunião no Palácio de St. James com o Príncipe Charles. Sua Alteza Real apresentou ao grupo o Prince’s Rainforests Project, iniciativa criada por ele em outubro de 2007 com o objetivo de proteger as florestas tropicais. Charles, que até pouco tempo atrás era considerado um lunático por se dedicar a questões ambientais, hoje consegue facilmente atrair atenção para a causa. A Amazônia, como não poderia deixar de ser, foi citada exaustivamente no encontro. Mas foi citada também depois, no elevador do hotel em que eu estava, por desconhecidos que falavam sobre o tema com entusiasmo. O desflorestamento, as mudanças climáticas e até o potencial efeito da redução das chuvas no preço dos grãos entraram na conversa. Lembrei de outro papo que eu escutara dias antes, em São Paulo, no prédio onde trabalho. Também estava no elevador quando dois homens engravatados, com jeitão de advogados, falavam animadamente das oportunidades de industrialização em grande escala da castanha do Pará.

Bastou Marina Silva deixar o Ministério do Meio Ambiente, em maio, para a Amazônia se tornar um dos assuntos mais discutidos mundo afora. Fala-se muito sobre o tema – e fala-se de tudo. No balaio-de-gatos das conversas, há verdades de todos os tipos. Algumas acadêmicas, como as relações entre o desflorestamento e o aquecimento global, outras populares, como os poderes afrodisíacos da maripuama, o Viagra da Amazônia. Há até verdades religiosas – o papa da Igreja Ortodoxa, por exemplo, declarou anos atrás em Manaus que desmatar é pecado. Há também falsas verdades, como a idéia de que a maior ameaça ao futuro da região está nas tentativas de invasão e domínio estrangeiros. E muitas mentiras, como a idéia de que o governo brasileiro controla o que se passa por lá.

O debate atual corre o risco de cair no vazio caso a Amazônia não seja tratada em toda sua complexidade. Os dez pontos propostos aqui certamente não são suficientes para esgotar a questão, mas indicam dimensões que precisam ser levadas em conta na construção de um projeto consistente, e viável, para a região.

1. A Amazônia não é uma só

Muitas pessoas que falam sobre a Amazônia com frequência cometem um erro: não considerar sua heterogeneidade. A falha mais grosseira é tratar a região como uma grande mancha verde, como se não houvesse ali uma população – desassistida – de mais de 20 milhões de pessoas – comunidades tradicionais, índios e migrantes de outros estados que tiram da floresta e da terra o seu sustento. Outra falha é a confusão que se faz entre as diversas referências possíveis. A Amazônia Legal é diferente do bioma amazônico, que também é diferente da floresta propriamente dita. A Amazônia Legal foi instituída em 1953 e abrange 521 milhões de hectares, 22,5 milhões de habitantes e nove estados com realidades sociais, econômicas, políticas e até mesmo ambientais distintas. O bioma amazônico consiste numa área um pouco menor, de 419 milhões de hectares, contempla o conjunto de ecossistemas da bacia do rio Amazonas e se estende do Brasil para áreas de outros países latino-americanos. Dentro do bioma há ainda a floresta amazônica, chamada por alguns de “floresta original”, com uma população rural de 6,7 milhões de pessoas. Todas essas referências são corretas e aceitas. Cada uma, porém, reflete realidades distintas e exige que se adotem tratamentos e estratégias diferentes.

2. A Amazônia interessa a muita gente

Tão complexa quanto a própria floresta é a rede de interesses em jogo ali. A Amazônia interessa, antes de tudo, à população local, que hoje conta com o apoio apenas da sociedade civil organizada. Interessa aos madeireiros ilegais, que tiram proveito da destruição. Aos especuladores imobiliários, que navegam na confusão fundiária. Aos fazendeiros, que precisam de terra para a agricultura e para a pecuária. Aos ambientalistas radicais, para quem a mata deve permanecer intocada. Aos cientistas, que precisam estudar os efeitos que a devastação da região pode ter no ambiente global. Interessa também a uma oligarquia política que vive da distribuição de migalhas em troca de votos. Isso sem falar no cidadão de outras regiões, que se emociona ao ver cenas de destruição mas esquece delas ao comprar madeira não certificada ou ilegal, ou na comunidade internacional, alarmada com as mudanças climáticas mas incapaz de entender a complexidade amazônica. A lista é infindável. Cada grupo de interesse tem seus motivos – racionais, emocionais, ideológicos – e procura defender sua visão particular sobre os problemas da Amazônia. É irreal imaginar que seja possível buscar uma solução sem considerar as diferentes visões.

3. O governo não sabe o que fazer com a Amazônia

O governo brasileiro não sabe o que quer da Amazônia e, muito menos, como solucionar seus problemas. Isso fica evidente quando analisamos suas iniciativas na região. Há as de cunho econômico, voltadas para a ocupação agroindustrial e para o desenvolvimento. Há outras, de cunho social, que tratam da distribuição de terras e projetos de reforma agrária. Há ainda as de cunho ambiental, que envolvem medidas conservacionistas e, mais recentemente, propostas de uso produtivo da floresta. Olhando dessa maneira, até parece que o governo federal contempla os chamados “3 Ps da sustentabilidade” – people, profit, planet (pessoas, lucro e planeta). Acontece que a sustentabilidade trata da convergência entre o econômico, o social e o ambiental – e a gestão da Amazônia é um exemplo de divergência.

Há quem diga que o Plano Amazônia Sustentável, lançado em maio deste ano, é um projeto nacional para a Amazônia. Não é. O plano é extremamente fragmentado e incompleto, foi lançado às pressas. Apesar de ter nascido de boas discussões entre os maiores especialistas do país, foi repentinamente ajambrado e produzido a toque de caixa com um objetivo meramente midiático.

O governo federal também não demonstra disposição para resolver a imensa confusão institucional à qual a Amazônia está submetida. Não se trata de ausência de leis, mas de excesso. Um emaranhado de regras díspares e confusas, emitidas por uma sopa de letras de órgãos federais, estaduais e municipais das mais diversas estirpes. O Ibama enfoca licenciamentos. O ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – gere as unidades de conservação. A Funai ocupa-se das populações indígenas. O Incra deveria gerir o ordenamento fundiário e por aí vai. Como se não bastasse, cada estado tem seu instituto de terras. Essa nebulosidade institucional alia-se à corrupção e à submissão da floresta aos interesses políticos de oligarquias que se mantêm no poder graças à venda de favores a madeireiros ilegais e especuladores fundiários.

4. A Amazônia não tem dono

Enquanto se discute a soberania brasileira em relação à Amazônia, uma outra questão permanece sem solução: o problema fundiário. A Amazônia, hoje, é terra de ninguém. Recentemente, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) concluiu um amplo estudo sobre imóveis rurais na região. Constatou que, de um total de 36% de áreas supostamente privadas, apenas 4% têm títulos indiscutíveis. Outros 43% são áreas protegidas e 21% são áreas supostamente públicas. A palavra “supostamente” aparece em mais da metade das terras da Amazônia.

Sem clara definição da posse das terras e das regras associadas aos direitos de propriedade, resta a exploração predatória, descompromissada. Extrai-se o que se pode o mais rapidamente possível, dando início a um jogo especulativo sobre a posse das terras com as mais fantásticas artimanhas em cartórios, fóruns e institutos de terras. Há alguns anos, como executivo do grupo Orsa, trabalhei na tentativa de recuperar documentos fundiários históricos do lendário Projeto Jari. O Orsa comprou o Jari – uma área de 1,7 milhão de hectares na fronteira do Pará com o Amapá – em 2000, mas o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) alegava que os títulos de propriedade nas mãos do grupo eram insuficientes para cobrir a área do projeto. Várias vezes encontrei documentos na forma de papéis completamente corroídos pela umidade ou devorados por insetos.

Na tentativa de entender a questão fundiária, conheci documentos do maior proprietário de terras da Amazônia, o senhor Carlos Medeiros. Ele chegou a possuir títulos de 35 milhões de hectares. Carlos Medeiros declarava-se herdeiro de sesmarias de portugueses, validou documentos na década de 70 e teve de lidar com o desaparecimento de toda sua documentação por sinistros ocorridos nos cartórios. Apenas em meados da década de 80 teve seus registros revalidados por um juiz.

Ocorre que Carlos Medeiros nunca existiu. Era uma peça de ficção fundiária, usada por compradores de terras, cartorários e juízes para “esquentar” documentos. Há 15 anos, o Iterpa tenta suspender os documentos oriundos dessa farsa. Dois anos atrás, o Ibama ainda aprovava planos de manejo nas terras do fantasma.

Na ausência de um plano consistente para a Amazônia, todos querem eleger o vilão do desmatamento. Num momento, culpa-se a soja. Em outro, a cana. Culpa-se também o gado, o frango, os madeireiros, até os índios. É como se, ao eleger um culpado, a solução para o problema ficasse mais fácil.

Não há uma principal razão para o desmatamento. Ele decorre de vários elementos sociais, políticos e econômicos que determinam que o valor da terra desflorestada seja superior ao da floresta em pé. Sem uma abordagem ampla e sistêmica, não há como garantir o controle da conversão florestal, o nome chique que se usa para indicar que a floresta foi substituída por agricultura ou pecuária.

É mundialmente famosa a relação entre o desmatamento, a ação de madeireiros ilegais e a incapacidade do governo em monitorar e controlar o que ocorre na Amazônia. Apesar da existência de tecnologias de satélite e da abundância potencial de recursos financeiros advindos da aplicação de multas ambientais, os órgãos responsáveis não conseguem eficiência no controle do corte, transporte, processamento e comercialização da madeira ilegal. Calcula-se que 80% da madeira consumida no país seja de procedência predatória ou ilegal. Os madeireiros, conhecedores da precária infraestrutura amazônica, apontam as estradas como a principal via do desmatamento. Considerados a personificação do vilão, os madeireiros são, muitas vezes, empreendedores que foram estimulados a desbravar a Amazônia no período militar. Surgiram e se desenvolveram numa época em que desmatar significava limpar, conquistar, desenvolver. Transformá-los em criminosos não resolverá nada. Eles precisam, sim, ser incluídos num novo sistema produtivo, o do manejo florestal sustentável, que trata da exploração da floresta com base em princípios ambientais e sociais.

O desmatamento também está associado ao consumo de madeira como energia. Cerca de 70% da madeira brasileira é usada para fins energéticos – principalmente produção de carvão vegetal e uso doméstico. Dados do governo do Pará indicam que uma família pode auferir uma renda de até R$ 1,6 mil por mês com os fornos de carvão na Amazônia. Esse carvão produzido de forma precária é destinado à produção de ferro-gusa e inserido na sofisticada cadeia do aço. A questão mostra que, na Amazônia, nunca há soluções fáceis. Simplesmente eliminar o carvão vegetal oriundo do desflorestamento teria um forte impacto social. E seria provavelmente uma medida ineficaz, em função das dimensões territoriais da região.

O desmatamento também está relacionado à busca de uma alternativa econômica para o uso da terra. Sem uma política florestal, a terra nua ou com finalidade agropastoril gera mais renda. A floresta não terá valor econômico compatível com qualquer outra atividade enquanto não houver uma combinação de forças valorizando seus produtos madeireiros, não madeireiros ou os chamados serviços ambientais.
Leonardo da Vinci, no século 16, já apontava que as florestas devem ir além da madeira, ressaltando o valor de suas frutas, sementes, fibras, seus extratos, óleos e perfumes. Mais recentemente, os serviços ambientais que a floresta proporciona tornaram-se objeto de intensos debates relacionados às mudanças climáticas, à preservação de recursos hídricos, do solo e da biodiversidade. Exemplos de remuneração por serviços ambientais proliferam-se com rapidez. A produtora da água Perrier, na França, paga pela manutenção de bosques em torno das nascentes. A rede de hotéis Marriott paga ao estado do Amazonas US$ 2 milhões anuais pela manutenção de florestas – cobrando de seus hóspedes, em 3 mil hotéis no mundo todo, US$ 1 por noite. Experiências semelhantes precisam crescer na Amazônia.

6. Nunca houve tanto conhecimento disponível

Nas discussões sobre a Amazônia, há um questionamento recorrente: o que é pior, a ausência do governo ou a presença das ONGs? Sabemos que há ONGs de todos os tipos, especialmente após a contaminação político-partidária a que muitas foram expostas em anos recentes. Sabe-se que inúmeras organizações recebem recursos públicos para a realização de ações que deveriam ser do Estado – o que, sem dúvida, é condenável. Não há como questionar, porém, a importância das pesquisas realizadas por algumas importantes organizações da sociedade civil. Trata-se de um novo paradigma na geração e disseminação da informação. O conhecimento produzido pelas ONGs é livre das amarras metodológicas, do desafio das revisões e das defesas de tese nas universidades. Hoje já serve de referência para a academia.

Bons exemplos não faltam. Recentemente, a polêmica sobre os índices de desflorestamento trouxe a público a qualidade científica do conhecimento gerado pelo Imazon, no que tange à análise de imagens de satélite. O Imazon foi criado em Belém e, em 18 anos, publicou mais de 200 trabalhos técnicos, boa parte deles veiculada em revistas científicas internacionais ou publicada como capítulos de livros. O Greenpeace, uma organização internacional reconhecida por suas campanhas grandiosas, produziu um extenso documento investigativo sobre a produção e o consumo de madeira ilegal, acompanhando a trajetória de caminhões por todo o país e sua passagem por ineficientes postos de fiscalização. Nunca houve tanto conhecimento de qualidade disponível sobre a Amazônia, e o mérito se deve, principalmente, ao trabalho de ONGs sérias e comprometidas. A ausência de uma solução para a região certamente não acontecerá por falta de informação.

7. A floresta pode ser produtiva

Foi-se o tempo em que o que interessava era conciliar desenvolvimento com preservação. O que se busca, hoje, é um modelo econômico que tenha, na sua essência, o meio ambiente e as pessoas. Nesse contexto, é necessário olhar para a floresta de uma outra maneira.

A política florestal deveria contemplar a eliminação do mercado informal de madeira. Ele deve ser substituído pela certificação, pela adição de valor para produtos florestais e pela formulação de regras simples e claras para a comercialização de serviços ambientais. A certificação florestal e os sistemas de rastreabilidade, como o Forest Stewardship Council (FSC), poderiam ser estimulados. O FSC atesta que o produto florestal foi explorado com base em salvaguardas ecológicas e benefícios sociais. Esses modelos garantem maior acesso aos mercados internacionais e facilidade de obtenção de créditos e investimentos, porque representam operações com riscos muito mais controlados. Programas de conscientização do consumidor de produtos madeireiros poderiam ser engendrados com apoio. Muitos compradores de madeira do Sudeste do país não sabem que compram um produto explorado de maneira ilegal na Amazônia.

Inovar é a palavra-chave para o desenvolvimento de tecnologias que permitam a extração de madeira sem causar muitos danos à floresta. Essa é a proposta do manejo sustentável, que busca reproduzir o ciclo da natureza. Retiram-se algumas árvores que já estão no final de seu ciclo de vida, deixando suas filhas e netas crescerem e regenerarem. As toras colhidas são rastreadas até serrarias, que aproveitam ao máximo a madeira com o uso de tecnologias produtivas avançadas. Sementes, frutos, óleos e extratos são colhidos e armazenados adequadamente, sendo depois transformados em matérias-primas para mercados sofisticados, como o de cosméticos ou de alimentos. Modelos de remuneração de serviços ambientais são desenvolvidos, assim como inovações nas formas de precificar e comercializar certificados de crédito decorrentes do desflorestamento evitado.

O mundo florestal tropical poderia conviver com conceitos como rendimento, fluxo produtivo, otimização, escala, arquitetura financeira, comercialização em bolsas e até IPOs.

Os indicadores de educação da Amazônia são muito ruins se comparados com o restante do Brasil. O analfabetismo vem caindo – passou de 20% em 1990 (considerando a população com mais de 15 anos de idade) para 13% em 2005, mas continua acima da média nacional, de 11,6%. O IDH educação das zonas florestais é inferior à média nacional. Na Amazônia, os moradores com mais de 25 anos têm 5,9 anos de estudo, ante 6,5 anos na média brasileira. A defasagem quanto a aspectos educacionais também é notória quando são avaliadas as matrículas no ensino superior. Enquanto nas regiões Sul e Sudeste o percentual de jovens entre 20 e 24 anos matriculados nas universidades é de 15,7% e 14,9% respectivamente, na região Norte essa taxa é de 6,8%.

A situação calamitosa da educação na Amazônia tem efeitos perversos na capacidade de adição de valor aos produtos florestais. Tecnologias sofisticadas não são implementadas por falta de mão-de-obra, e o empreendedorismo não se desenvolve. A população local, formada em boa parte por migrantes do Nordeste, não tem tradição florestal e não sabe como trabalhar a floresta de uma maneira ao mesmo tempo produtiva e ecologicamente correta.

A Amazônia precisa de um sistema educacional desenvolvido especialmente para ela. Esse sistema deve contemplar a formação técnica voltada para as potencialidades florestais. Um bom conjunto de programas de capacitação em tecnologia florestal tropical e madeireira poderia ter reflexo rápido na capacidade brasileira de adicionar valor aos produtos florestais. No campo da geração do conhecimento, esforços articulados poderiam fortalecer a tradução do saber popular para ciência e tecnologia. Um bom programa de fomento de pesquisa da biodiversidade e suas aplicações poderia ser estruturado, sem a necessidade de criação de nenhum novo centro ou de obras civis.

9. A Amazônia não precisa desaparecer para que o Brasil seja uma potência agrícola

Nos últimos meses, o preço internacional das commodities alimentares e energéticas tem sido apontado por muitos como causa do desmatamento. Fala-se que a expansão do agronegócio ameaça a Amazônia.
Os números mostram que a expansão agropecuária pode acontecer sem provocar a conversão da floresta. O Brasil está hoje entre os três maiores produtores das 15 principais commodities alimentares do planeta. Chegou lá ocupando cerca de 220 milhões de hectares – sendo 172 milhões para a pecuária, 22 milhões para a soja, 14 milhões para o milho e 8 milhões para a cana. A produtividade média da pecuária nacional é de 1 animal por hectare. Se esse número crescer para 1,4, um índice bastante razoável, seriam disponibilizados para agricultura aproximadamente 50 milhões de hectares, duplicando assim a área utilizada hoje para cultivos agrícolas.

Programas de reflorestamento podem ser implementados como alternativa para a produção de carvão vegetal. Em adição ao benefício socioeconômico, essa atividade tem forte impacto na melhoria das condições ambientais de áreas degradadas e inviáveis para a produção de alimentos.

A consolidação de uma economia florestal tropical que garanta a preservação da floresta amazônica deveria integrar-se ao potencial nacional na produção de commodities. Para isso, é preciso integrar a política ambiental à agroindustrial, revisitando-se as regulamentações referentes ao uso da terra.

10. A Amazônia precisa de outra imagem

A imagem do Brasil tem sido castigada pelo desmatamento. No entanto, o que mostramos como alternativa é humilhante. Na tentativa de apresentar ao mundo a Amazônia e sua cultura, acabamos por reproduzir uma imagem folclórica e ingênua. Nesse retrato aparecem comunidades que produzem farinha de mandioca de forma precária, mercados que vendem elixires mágicos engarrafados em vasilhames usados de refrigerante, coletores de castanha com dedos decepados, carregando cestos pesados nas costas, em chinelos de dedos. Filmamos à exaustão araras, sapos e onças. Reproduzimos o canto do uirapuru até que o pobre pássaro seja extinto pelo próprio som. Com imagens de crianças seminuas e casebres sem paredes, pedimos ajuda a ONGs, bancos e empresas internacionais. “Paguem pela floresta em pé, ou derrubamos tudo!”, é o que parecem dizer nossos especialistas em comércio internacional.

A impressão que dá é que estamos consolidando nossa posição como pobres pedintes, chantagistas ou desmatadores envergonhados. O discurso nacional sobre a Amazônia e o meio ambiente poderia passar de defensivo a proativo. Poderíamos mostrar que o país tem condições de garantir sua posição com base na construção de um novo modelo que combine a produção de alimentos em grande escala, uma matriz energética limpa e uma agenda ambiental florestal sólida e sustentável. Não há nenhum impedimento estrutural para que o Brasil assuma essa posição.

*Roberto S. Waack é presidente do conselho mundial do Forest Stewardship Council (FSC) e presidente do conselho consultivo do Instituto para o Agronegócio Responsável (Ares).

[Foto: Sebastien Goldberg/Unsplash]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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