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Externalidades: um caloroso debate sobre valor

por | 01/02/2015 | Externalidades

Artigo publicado originalmente na revista Ideia Sustentável.

À medida que as diversas dimensões da sustentabilidade avançam, alguns conceitos se consolidam. Um deles é o de externalidade. A princípio, muito simples: trata-­se de “efeitos indiretos, negativos ou positivos, da produção de bens ou serviços que são transferidos a indivíduos e/ou a entidades não envolvidas no processo produtivo. A poluição ambiental é um exemplo de externalidade negativa”. Esta é uma citação do Environmental Markets: A New Asset Class (Mercados Ambientais: A Nova Classe de Ativos), documento do CFA Institute.

A escolha da organização para servir de referência foi proposital. O CFA Institute reúne profissionais da área de investimentos e é uma das mais renomadas entidades do universo financeiro, o que indica que o tema deixou, há um bom tempo, de se limitar ao mundo das ONGs ambientais e sociais.

Há estimulantes nuances na definição do termo externalidade. Ricardo Abramovay, professor da Universidade de São Paulo (USP), aponta a questão central da monetização: “Tudo aquilo que produz algum impacto negativo ou positivo sobre alguém e que não entra no sistema de preços.” O professor Carlos Eduardo Frickmann Young, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), segue a mesma linha: “Significa que, em vez de todo mundo pagar o pato, que pague o pato quem é responsável por ele.” Ou seja, identificar, qualificar, quantificar e, se possível, monetizar externalidades passam a ser desafios com que o mundo empresarial se depara.

Proliferam tentativas de quantificação e valoração. “O valor de tudo que a natureza oferece sem cobrar ao ser humano é estimado em US$ 124,8 trilhões por ano, o que corresponde, aproximadamente, ao dobro do PIB mundial”, relata Robert Costanza, da Australian National University. O CFA aponta que 40% das mortes no mundo são resultantes de fatores ambientais — inclusive efeitos secundários da degradação ambiental e disseminação de enfermidades — e cita também que a poluição ambiental causa perda de cinco anos de vida por pessoa no norte da China. O Principle of Responsible Investments (PRI) estima que o custo anual de danos ambientais causados pela atividade humana chegue a US$ 6,6 trilhões, ou 11% do PIB mundial, e que um terço desse custo é de responsabilidade das 3 mil maiores empresas listadas do planeta. Várias organizações se dedicam a essa busca por valores, com números variados e muitas vezes divergentes, sinalizando que o estágio atual é menos de procura por precisão e mais de construção de metodologias.

O desenvolvimento do tema segue seu curso entre sofisticadas metodologias para identificação e reporte de externalidades e um interessante debate sobre quem deve pagar a conta. O professor Young mostra de forma didática que os impactos socioambientais estão embutidos no valor dos imóveis e no preço de aluguéis; por exemplo, um imóvel localizado próximo a um lixão custará bem menos do que outro idêntico longe. Ou seja, a sociedade, de um jeito ou de outro, precifica.

Essa discussão tem proporcionado debate altamente complexo e controverso sobre custos e preços reais. Afinal, como embutir nos custos de um produto eventuais danos causados pela sua produção? Pode-se partir do princípio de que todas as externalidades são monetizáveis? A ativista Jutta Kill publicou recentemente o livro Economic Valuation of Nature – The Price to Pay for Conservation? (Avaliação Econômica da Natureza – O Preço a Pagar pela Conservação?), em que questiona veementemente a monetização de externalidades como alternativa para que seu valor seja considerado pela sociedade: “Calcular o valor econômico não é o mesmo que colocar uma etiqueta de preço na natureza”, ela escreve.

Um dos principais líderes desse debate, Pavan Sukhdev argumenta desafiadoramente que a invisibilidade econômica da natureza precisa terminar: “Usamos a natureza porque ela tem valor, mas a perdemos porque ela não tem preço. Atualmente, ninguém paga pelos serviços ecossistêmicos. Ao mesmo tempo, faltam incentivos aos que fazem as coisas direito. É preciso criar um mercado.” Em contraposição, Geoffrey Heal, professor da Columbia Business School, afirma que “se a nossa preocupação é conservar os serviços ecossistêmicos, a valoração é amplamente irrelevante; a valoração não é nem necessária nem suficiente para a conservação. Nós conservamos muito do que não valorizamos, e não conservamos o que valorizamos”. Esse debate se dá especialmente em torno do pagamento por serviços ambientais, que, em alguns casos, legitimam a exploração econômica do recurso natural ou a emissão de poluentes. Os modelos de comercialização de créditos de carbono vão nessa direção, com permissões transferíveis do direito de poluir, ou seja, um preço pelo direito de poluir. Debate caloroso e atual, principalmente, com a aproximação da 21ª sessão da Conferência das Partes (COP 21 – Paris 2015).

Entre as alternativas para tratar economicamente os impactos ambientais, cresce a emissão dos chamados títulos verdes. Em 2013, foram lançados US$ 11 bilhões desses instrumentos financeiros e, no primeiro semestre de 2014, US$ 18,3 bilhões. Um mercado que vem crescendo 60% ao ano. Outra tendência referente à gestão pública das externalidades são os instrumentos tributários, com incentivos para as positivas (por exemplo, reciclagem de lixo) e punição às negativas (carbon tax). Todas as grandes empresas de consultoria estão empenhadas nessa corrida, o que reforça a evidente relevância do tema e indica que o mundo da contabilidade já entende a valoração socioambiental como uma necessidade.

Há crescentes convergências no debate sobre externalidades. A mais óbvia é o fato de que as empresas causam danos ambientais, sociais e econômicos das mais diversas naturezas, mas também que grande parte deles não é adequadamente abordada pelas regulamentações e licenças para operações; que a sociedade está atenta e se instrumentaliza para identificar e medir esses impactos; que há boas evidências de seus efeitos sobre o valor das empresas de diversas formas (passivos, riscos, custo, acesso ao capital); e que os sistemas vigentes de contabilidade, custeios e precificações não são suficientes para considerar as externalidades. Por outro lado, há fortes divergências sobre se e como elas devem ser valoradas; mais do que isso, se a criação de um mercado de externalidades seria uma opção aceitável.

O futuro aponta para uma composição em que as externalidades deverão ser indicadas de modo transparente e afetar de forma ampla o valor das organizações (não só o econômico), além de ser medidas com métricas bem mais precisas que as atuais, com mercados estruturados para algumas categorias. Certamente, nem todas serão monetizadas ou precificadas, mas terão seu valor reconhecido. Um estimulante desafio para o mundo das estratégias empresariais, da sociedade civil e dos governos.

*Roberto S. Waack é presidente do conselho de administração da Amata S.A. e membro dos conselhos do Global Reporting Initiative (GRI), Instituto Ethos, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e World Wide Fund for Nature (WWF Brasil)

[Foto: jorgecaico/pixabay]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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