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A economia da floresta nativa

por | 06/07/2012 | Estratégias, Sustentabilidade

Artigo publicado originalmente na revista Página 22

Em meio às expectativas frustradas e incongruências da Rio+20, a economia da floresta nativa brasileira continua assentada em dois pilares: a madeira ilegal e a comercialização de documentos para “esquentar” a madeira ilegal. Produtos madeireiros sustentáveis, não madeireiros e serviços ambientais continuam restritos a um conjunto esparso de casos empresariais e comunitários aqui e acolá. Não há escala transformadora. Imperam os três “is”: informalidade, ilegalidade e impunidade. Três is fortíssimos massacrando um quarto “i”, o das intenções.

A maior parte das intenções relacionadas às formulações políticas dos últimos anos foram boas, mas acabaram por criar uma miríade de regras e burocracias que ou impedem o desenvolvimento de atividades empresariais ou foram abduzidas por agentes oportunistas. No primeiro grupo, encontra-se a legislação que regulamenta o acesso à rica biodiversidade amazônica, absolutamente desestimulante ao desenvolvimento científico e tecnológico e às atividades empresariais. Trabalhar com produtos da biodiversidade brasileira é procurar encrenca burocrática, lidar com um labirinto legal e arriscar-se a receber multas complicadíssimas. No segundo grupo é onde se encontra o setor madeireiro.

Neste setor, podem-se agrupar as ações da política para florestas nativas em quatro categorias. A primeira relaciona-se a medidas de comando e controle impactantes, educativas e midiáticas. A segunda envolve a criação de um arcabouço jurídico para que as florestas públicas possam ser submetidas a manejo florestal sustentável por meio de concessões públicas – ação fundamental para que produtos florestais com origem conhecida sejam disponibilizados. A terceira refere-se a alterações no sistema de controle das transações e transporte de madeira com a criação do chamado sistema DOF[1]. A última relaciona-se à descentralização das atividades de licenciamento da esfera federal (Ibama) para órgãos ambientais estaduais. Importante iniciativa para desobstruir o gargalo processual que se acumulava em Brasília.

Todos os quatro grupos vão no sentido correto, mas estão longe de proporcionar um ambiente de negócios viável para operações legais. As medidas de comando e controle sufocam infratores, mas, em si, não criam alternativas para um mercado crescentemente demandante. Dependem de outras ações institucionais.

E as concessões de florestas públicas não decolaram na velocidade necessária, não despertaram interesse de grupos empresariais no volume adequado e não garantiram a oferta de áreas com escala relevante para uma boa equação econômica. A mudança do paradigma florestal e industrial de madeiras tropicais requer altos investimentos e perspectivas de retorno de prazos longos, bem diferente do sistema vigente de hiperexploração, exaustão florestal e migração contínua para novas áreas a serem degradadas.

Quanto ao sistema DOF, como está hoje, gera uma das maiores perversidades já observadas no ambiente competitivo da madeira tropical: a falsa legalidade. Entre as inúmeras fragilidades encontram-se planos de manejo falsos ou fantasmas, créditos fictícios, inserções ilícitas de créditos madeireiros no sistema, transferências fraudulentas de créditos e superexploração de planos aprovados. O Ministério Público Federal já documentou incongruências no sistema, como caminhões de toras que cruzam o território amazônico em tempos absurdos e modais e rotas impossíveis.

E a descentralização provocou perda de informação sobre a localização de planos de manejo aprovados e volumes de madeira autorizada para corte. Fortaleceu- se o mercado de venda de autorizações de exploração, valiosos, pois são geradores de créditos para o sistema DOF. Soma-se a isso a ineficiência no controle. A impunidade impera. As probabilidades de condenação a multas ambientais são praticamente nulas. Menos de 1% delas são aplicadas.

Tal situação é fatal para quem se propõe a atuar dentro da lei. A falsa legalidade documentou a ilegalidade e o mercado está plenamente satisfeito com isso, incluindo as compras públicas, diretas ou indiretas, como Minha Casa Minha Vida, PAC e obras dos grandes eventos.

Portanto, além de aumentar a oferta de florestas em concessões públicas com escalas relevantes, urge controlar a falsa legalidade por meio de aperfeiçoamentos no sistema DOF e nos sistemas de licenciamento de manejos, como filtros (grande parte das distorções podem ser capturadas pelo próprio sistema), georreferenciamento obrigatório de todas as licenças emitidas (via imagens de satélite), maior controle do rendimento de serrarias e da intensidade de exploração. É preciso também estimular mecanismos de mercado associados a compras públicas (diretas e indiretas). O governo, como consumidor de madeira, deveria exigir não só os mecanismos do sistema DOF, mas também comprovação da rastreabilidade completa da madeira.

[1] Documento de Origem Florestal (DOF), instituído pelo Ministério do Meio Ambiente em 2006, representa a licença obrigatória para o controle do transporte de produto e subproduto florestal de origem nativa

*Presidente da Amata e membro do Conselho Internacional do FSC

[Foto: Elmer Oliveira/Pixabay]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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