Artigo originalmente publicado na revista Página 22
Por Roberto S. Waack, Vania Bueno e Kalil Cury Filho*
A crise da Covid-19 não tem precedentes. A experiência do necessário isolamento ao qual humanos estão se submetendo poderá ser marco na forma como nos relacionamos. Provavelmente, o confinamento físico resultará numa rede de interatividade avassaladora. Muitos se perderão na exploração involuntária do ócio. Outros na profusão frenética de ideias, nas trocas de mensagens e contatos virtuais. Certamente aprenderemos muito e tudo será válido: do mais puro ócio ao desenvolvimento dos mais criativos modelos de negócio.
As empresas terão de buscar sobrevivência no curto prazo. A gestão do caixa será vital. O equilíbrio com a manutenção das suas redes de funcionários, terceiros, fornecedores e clientes consumirá boa parte das reflexões e debates em home offices conectados.
Ao mesmo tempo, o fluxo das transações enfrentará situações imprevisíveis. Certamente haverá necessidade de novas formas de relacionamento com mercados, recursos humanos e atores tributários. Mais do que isso, idealmente essa crise poderá trazer novas formas de relacionamento das corporações com o meio ambiente e com a sociedade como um todo.
A situação exige pragmatismo, não necessariamente o doloroso, apenas. Há oportunidades para que a imensa capacidade intelectual, a amplitude de conhecimentos, a capacidade empreendedora, a resiliência e a diversidade das empresas sejam colocadas à disposição da sociedade, ultrapassando os limites das fronteiras corporativas.
Propomos um desafio concreto às empresas: atuar no suporte à população que vive na informalidade. Conferir condições mínimas para a sobrevivência desse importante segmento da sociedade brasileira, durante o necessário isolamento a que todos devemos nos submeter, será vital para a retomada da normalidade socioeconômica do País.
Não se trata de filantropia. Essas pessoas fazem parte, inexoravelmente, das cadeias de negócios de quase todos os segmentos. Não só por serem consumidores, mas por sustentarem boa parte das atividades empresariais, ainda que indiretamente.
As cadeias de suprimentos do agronegócio, em alguns casos, envolvem atividade rural informal, pois a agricultura de pequena escala tem alto grau de informalidade. Além disso, parte significativa da vida de empresários, prestadores de serviço e assalariados depende, no dia a dia, de relações com trabalhadores informais: vendedores ambulantes, jardineiros, prestadores de pequenos serviços. Atividades de curtíssimo prazo, voltadas para aliviar o sofrimento econômico e pessoal dessas populações, poderão ser transformadas, a partir desse esforço (e aprendizado), em modelos de negócios mais ajustados ao mundo pós-Covid-19.
Obviamente, será preciso articulação entre setor privado e governos para que essas alternativas prosperem. Novos arranjos institucionais serão necessários. No entanto, a urgência e sobrecarga do poder público com ações sanitárias não permitirá a completa maturidade desses modelos antes de serem aplicados. Empresas deverão ousar, sem comprometimento de sua sobrevivência financeira, na busca de alternativas.
As circunstâncias abrem campo para inovações. As novas condições de trabalho, as menores sobrecargas com rotinas, os ambientes diferentes, a alta produção de adrenalina e a inexorável exposição ao drama que nos cercará poderiam ser canalizados para a construção dessas alternativas. Certamente existirá melhor combinação da sensibilidade humana com a racionalidade que o mundo profissional nos impõe no dia a dia.
O desafio proposto tem um público especialmente relevante: acionistas, conselheiros e integrantes dos fóruns máximos das decisões corporativas. Em um momento como o que vivemos, esses atores serão fundamentais para contribuir com ideias e, especialmente, acolher alternativas distintas dos modelos tradicionais e que demandarão decisões atípicas.
Propomos a busca de alternativas para suporte aos que vivem na informalidade neste momento tão crítico e desesperador, indo além da necessária segurança financeira. Urge não esperar soluções de governos, mas sim liderar o desenho de soluções que, no seu devido tempo (esperemos que breve), serão incorporadas ao ambiente institucional.
*Roberto S. Waack é empresário, ex-CEO da Fundação Renova e fundador da Amata; Vania Bueno é jornalista e consultora; Kalil Cury Filho é empresário e consultor em sustentabilidade
[Foto: Norma Mortenson/Pexels]