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A troca do “ou” pelo “e”

por | 01/06/2016 | Gestão tecnológica e inovação, Mudanças climáticas

Artigo publicado originalmente na revista Opiniões ed. 44, jun-ago/2016.

Não faltam estudos, relatórios e menções a restauração e a reflorestamento. No Brasil, a mais intensamente discutida é a meta de restaurar 12 milhões de hectares, integrante de nossa INDC – Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida, na sigla em inglês. No exterior, destacam-se duas iniciativas relevantes e complementares: o Bonn Challenge e a New York Declaration on Forest.

A primeira tem a aspiração de restaurar 150 milhões de hectares de áreas desmatadas até 2020; a segunda, a intenção de, além do total apontado no Bonn Challenge, adicionar outros 200 milhões de hectares até 2030. As três proposições mencionadas se alinham com o Acordo de Paris, estruturado na COP 21, realizada no fim do ano passado. Todas são consideradas bastante ambiciosas.

Em estudo recentemente realizado pela The New Climate Economy, a vertente denominada mudança do uso da terra aparece como tendo grande potencial para redução de emissões de gases do efeito estufa até 2030. Para isso, dois fatores são determinantes. De um lado, a conversão de florestas em usos alternativos, como agricultura e pecuária, causa emissões por desmatamento e degradação.

De outro, o reflorestamento proporciona o sequestro de carbono da atmosfera. A primeira busca manter o estoque de carbono, a segunda, aumentá-lo. O documento estima o potencial do reflorestamento na redução anual de emissões da ordem de 1,2 a 2,9 gigatoneladas de CO2eq. O montante representa entre 3 e 5% do total necessário de reduções de emissões estimadas para manter o aquecimento global abaixo de 2°C, tendo como referência o período pré-industrial.

Na área de restauração florestal, duas importantes iniciativas se alinham às ambições da INDC brasileira e às iniciativas internacionais mencionadas: a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura* e o Projeto Verena. Esse último – conduzido por um consórcio entre WRI (World Resources Institute) e IUCN (União Internacional Conservação da Natureza), financiado pela CIFF (Children Investment Fund Foundation) – busca a consolidação de uma economia florestal baseada em espécies nativas. Um dos grandes debates sobre a chamada agenda da restauração florestal se ateve aos custos para reflorestar um hectare.

Embates ideológicos buscavam a defesa de diferentes modelos com matizes mais ambientais ou econômicas. A Coalizão Brasil se dedicou a não só buscar um consenso sobre o tema como também a trazer a púbico elementos para aprofundamento de seu componente econômico. Uma parceria com o Instituto Escolhas resultou em uma primeira estimativa, apontando a necessidade de investimentos da ordem de R$ 30 a 50 bilhões para o reflorestamento dos 12 milhões de hectares até 2030.

Tal indicação se fundamentou na distribuição da atividade em cinco modelos distintos de recuperação florestal: a) condução e enriquecimento; b) adensamento e enriquecimento; c) plantio direto de mudas e sementes; d) plantio consorciado de espécies nativas e exóticas e; e) sistemas agroflorestais. O polêmico resultado gerou bons debates no setor, com defensores de valores muito abaixo da média do estudo (R$ 3 a 4 mil/hectare), contrapondo-se a consistentes argumentações de que a silvicultura de nativas pode atingir valores superiores a R$ 15 mil/hectare. O esforço da Coalizão Brasil se potencializou com as respostas iniciais do Projeto Verena, o qual reforçou o conceito de que a recuperação florestal no Brasil ocorrerá com o uso de diferentes modelos silviculturais.

O esquema em destaque indica o conceito de Contínuo Florestal, indicando a coexistência de várias formas de atividade florestal. As cores representam a variabilidade de espécies florestais, portanto o componente da biodiversidade. A forma indica se a espécie é nativa (círculo) ou exótica (retângulo). A agenda da recuperação florestal é bastante ampla, deixando de fora apenas os extremos, representados pela preservação permanente e pelo manejo de baixo impacto de espécies nativas.

Como o próprio esquema indica, não há uma separação rígida entre os distintos modelos, podendo haver casos de combinação e transição gradual entre eles. No que se refere a custos de implementação, há boa variação entre os tipos de silvicultura. Grosso modo, a regeneração natural é a alternativa de menor custo, basicamente, destinada à proteção da área com cercas. Embora variáveis, os valores flutuam entre R$ 500 a R$ 2.000/hectare, no caso de controle de pragas ou enriquecimento e condução.

A restauração com finalidade ambiental é a que apresenta maior variação de custos, dependendo da escala e do objetivo. Casos em que se busca rapidez e estética podem facilmente superar os R$ 30 mil/hectare, enquanto os custos de implantação podem ficar em torno de R$ 3 a 6 mil/hectare. Cabe lembrar que, quando a atividade econômica é central, o termo mais apropriado é investimento e não custo.

Como ocorre na silvicultura de exóticas de ciclo curto, voltada para a produção de painéis ou celulose, custos podem até ser mais elevados, proporcionando IMAs maiores e retornos mais interessantes. Os valores ficam entre R$ 8 a 12 mil/hectare. Por fim, grande variação ocorre também em sistemas agroflorestais, uma vez que há forte dependência da cultura consorciada. Com frequência, os investimentos atingem valores acima de R$ 40 mil/hectare.

Esse quadro indica por que não há o menor sentido em se buscar um valor médio por hectare para o desafio da recuperação florestal. Ele depende não só do modelo, mas da sua distribuição percentual no total a ser reflorestado no País. Mais do que isso, é também dependente da região em que for implementada, podendo requerer maiores ou menores tratos silviculturais.

A agenda é fascinante e promissora, não só pelo amplo espetro de alternativas, mas por estar alinhada com novas tendências do setor, como remuneração por serviços ambientais e produção de externalidades positivas. Além disso, o desenvolvimento de bioprodutos, como polímeros, tecidos, energia e outras frentes da fronteira da ciência florestal e de novos materiais, abre perspectivas muito interessantes para fibras oriundas de novas espécies. Como se não bastasse, a combinação do uso do solo para finalidades que alinham a produção de alimentos à de fibras e energia parece ser inexorável.

Essas boas perspectivas demandam, no entanto, consistente esforço em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) aplicados. Felizmente, o Brasil conta com um dos melhores arsenais tecnológicos em silvicultura do mundo, atestado pela competitividade do plantio de espécies como pinus e eucalipto.

Assim, o desafio não é apenas de ruptura tecnológica, mas de transposição dos amplos conhecimentos silviculturais entre espécies. Temas como conquista de uma boa base de genética de espécies nativas, obtenção e tratamento de sementes, produção de mudas, melhoramento genético clássico, tratos silviculturais, controle sanitário, estabelecimento de curvas de crescimento, consórcios e monitoramento do plantio são alguns exemplos.

A Coalizão Brasil, juntamente com o Projeto Verena e empresas do setor de plantio de exóticas, está mobilizada para a criação de uma relevante iniciativa no campo do P&D pré-competitivo público-privado. Certamente, boas notícias virão em breve. A restauração florestal é a melhor forma de comprovar que o mundo caminha para a troca definitiva do “ou” pelo “e” no campo do uso do solo. Já não há sentido na velha discussão sobre produzir ou conservar. O nome do jogo agora é produzir e conservar. O Brasil se coloca, reconhecidamente, como o país com melhores condições para obter sucesso nessa peleja. E a sociedade, por meio de iniciativas como a Coalizão Brasil, já está mobilizada para tanto.

NOTA: A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multissetorial, que se formou como o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com criação de empregos de qualidade, estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e à geração e à distribuição de riqueza a toda a sociedade. Mais de 120 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil já aderiram à Coalizão Brasil. www.coalizaobr.com.br.

* Presidente do Conselho do WWF-Brasil

[Foto: Willian Justen de Vasconcellos/Unsplash]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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