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Amazônia hoje: ocupar não é desenvolver

por | 11/05/2020 | Amazônia

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico

Por Joaquim Levy, Steyer Taylor, Ana Toni, Roberto Waack, Ana Yang e Luana Maia*

A covid-19 trouxe grandes mudanças, cristalizando o entendimento de que a complacência com certos riscos pode ter custos muito altos e dando nova atualidade às questões ambientais e sociais. Essas questões estão no coração das escolhas brasileiras para a Amazônia, onde o desafio de criar renda, emprego e oportunidades, preservando a floresta, é central.

A questão fundiária e o uso do solo com frequência pautam as políticas públicas para a Amazônia. Mas, para que essas políticas tenham êxito em melhorar as condições de vida na região, suas implicações econômicas, sociais e ambientais precisam ser bem endereçadas.

Onde a conversão de florestas e a ocupação de terra ocorreram de forma desordenada e com tolerância com a ilegalidade, a tendência é criar-se uma “máquina de geração de miséria” e de violência, onde o ambiente institucional e a governança são frágeis. Com isso, como aponta Douglass North, Prêmio Nobel de Economia, não há condições para que estratégias de desenvolvimento prosperem.

No Brasil, há evidências de que esse processo proporciona ganhos marginais para alguns e custos muito altos e difusos para a população do Norte e do país como um todo. A ineficiência desse processo pode ser constatada na grande área de floresta destruída e de terra abandonada na Amazônia. Não é de hoje que se sabe que grande parte da área desmatada na região tem baixa aptidão agrícola e as pastagens assim constituídas são frequentemente de baixa produtividade, logo se tornando insustentáveis.

Apenas quando se considera que não há custo em desmatar pode-se defender que a abertura de novas áreas na Amazônia rende mais do que o uso eficiente das terras já disponíveis. Há 18 milhões de hectares de pastagens pouco produtivas no Brasil que podem atender confortavelmente à demanda futura de terra para a agricultura (Carneiro e Costa, 2016)1, especialmente se investirmos na integração da lavoura com a pecuária.

Considerar que o desmatamento não tem custo é, ainda, fazer uma aposta errada sobre o futuro do Brasil. O custo e o risco que a aceleração do desmatamento da Amazônia traz para o regime de chuvas no Centro-Oeste não são desprezíveis. A diminuição de chuvas na região central se expressará rapidamente pela deterioração da nossa agricultura de duas safras e da produção hidroelétrica. Investimentos de bilhões de reais serão prejudicados, afetando a segurança nacional, dificultando o crescimento econômico e fragilizando nossa balança comercial.

Medidas legislativas que não reflitam o entendimento desses riscos dão sinais errados à nossa economia. Esse equívoco é mais sério quando os mapas de desmatamento sugerem uma forte mudança de padrão de ocupação do solo nos últimos três anos, com polígonos de desmatamento muito maiores e afastados de áreas já consolidadas.

Na medida em que mudanças legislativas sancionem a ocupação predatória e o desmatamento em terras públicas, elas não só anistiam atos criminosos – o desmatamento ilegal é um crime, como enfraquecem o quadro fiscal ao dilapidar o patrimônio de todos os brasileiros. Infelizmente, esse paradigma de “desenvolvimento” falho parece dar sustentação, por exemplo, à MP 910/2019, a ser votada no Congresso brevemente.

Da forma como está atualmente redigido, esse instrumento servirá principalmente à consolidação de um modelo de ocupação ilegal que não atende às aspirações da maioria da população local, nem fará a região mudar de patamar de desenvolvimento.

Uma política de desenvolvimento para a Amazônia deve focar nas cidades, onde a diversificação econômica facilita a criação de renda, e na consolidação de áreas ocupadas em décadas passadas, com a valorização da floresta em pé. Ao contrário de há cem anos, hoje povoar apenas não representa o exercício da soberania nacional.

O desenvolvimento da região também deverá contar cada vez mais com a tecnologia. Sabe-se, por exemplo, que apenas ¼ das terras passíveis de desmatamento legal em propriedade privada tem aptidão para a agricultura (Sparovek et al., 2017)2. Sabe-se, por outro lado, quais propriedades, que juntas somam 20 milhões de hectares, estão em desacordo com a legislação, e onde estão as áreas privadas com superávit de cobertura florestal que proprietários faltosos podem usar para se regularizarem. Fortalecer o mercado previsto pelo Código Florestal para promover a regularização ambiental é uma escolha política transparente, eficaz e sem custo fiscal.

Com um pouco de investimento pode-se também identificar com precisão onde é possível praticar uma mineração saudável e produtiva fora de áreas protegidas ou terras indígenas. As oportunidades de uma economia do conhecimento devem guiar as políticas públicas, inclusive no que tange aos incentivos para pesquisar e investir no patrimônio biológico da floresta e no desenvolvimento de setores modernos nas cidades da região.

Elas precisam orientar a recalibragem da Zona Franca de Manaus, que é uma âncora para a região, mas onde, de um faturamento de R$ 100 bilhões, metade é importação de insumos e apenas 2,5% são salários. É hora de mirar a produção sustentável de biocombustíveis, a energia solar centralizada e distribuída no extremo norte e o turismo. Há que fechar as brechas dos mecanismos de rastreamento do gado e da madeira para dar futuro a esses setores. É oportuno também considerar estímulos fiscais e creditícios pós-Covid para apoiar a integração da lavoura, pastagem e floresta, com conformidade fundiária, e dando novas possibilidades aos milhares de pequenos agricultores da Amazônia.

Boa parte do setor empresarial e da população brasileira já entendeu que a ocupação da Amazônia com objetivos de especulação fundiária e o desmatamento associado tem falhado em promover o desenvolvimento da região e prejudicado a reputação do país. Entenderam que esse modelo coloca em perigo nossas exportações, a capacidade de atrair capital e a vantagem competitiva de produzir com uma matriz energética limpa.

Em uma hora em que se forma um Conselho de alto nível para orientar a política em relação à Amazônia, além de colocar a legalidade no primeiro plano, devem-se evitar soluções apressadas e iniciativas legislativas equivocadas. É urgente guiar-se por um realismo econômico e ouvir as forças empresariais e de representação dos trabalhadores, a Embrapa, as universidades e centros de pesquisa da região e as instituições do estado e da sociedade civil. Há um vasto conjunto de alternativas para a Amazônia entrar na rota “5G” e da biotecnologia. E isso pode ser alcançado com o conhecimento, o capital e o trabalho do seu povo e de todos os brasileiros.

(1) Carneiro Filho e Costa, “A expansão da Soja no Cerrado”, 2016
(2) Sparovek, Guidotti, Pinto, “Qual o Impacto do Desmatamento Zero no Brasil”, 2017

*Joaquim Levy é ex-ministro; Steyer Taylor, fellow na Universidade de Stanford; Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade; Roberto Waack, empresário; Ana Yang, presidente do Conselho do Instituto Clima e Sociedade; Luana Maia, consultora em Governança

[Foto: Nathalia Segato/Unsplash]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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