Escolha uma Página

Blended finance: uma via de mão dupla

por | 09/05/2022 | Externalidades

Artigo publicado originalmente na Página 22

Por Renata Piazzon, Thais Ferraz e Roberto S. Waack*

O modelo tradicional da filantropia, pautado por doações a projetos específicos, é fundamental para determinadas agendas, mas tem limitações. Provocadas a ampliar o impacto de suas ações, algumas instituições filantrópicas começaram a repensar seu modelo de atuação. O caminho encontrado por muitas delas está no blended finance, ou financiamento híbrido, modelo que combina capital filantrópico ou de fomento com investimento privado, como os de fundos de venture capital (capital de risco). Esse formato vem ganhando espaço no mundo inteiro, pois consegue mitigar o risco do investidor tradicional em negócios de impacto, que costumam dar retornos de longo prazo e têm desafios sociais e ambientais complexos para lidar.

A parceria da filantropia com o mercado financeiro pode envolver diversos formatos de apoio à aceleração de negócios, desde o capital-semente e a construção de mecanismos de acesso a crédito, até a assistência técnica, o desenvolvimento de capacidades e o incentivo a pesquisa e desenvolvimento. A filantropia também pode conceder suporte organizacional, como serviços para aprimoramento institucional ou apoio ao desenvolvimento de novas tecnologias.

A escolha sobre qual instrumento será usado (subvenção, dívida, capital próprio), e de qual maneira, é realizada sob medida. Algumas instituições filantrópicas oferecem crédito subsidiado para negócios de impacto socioambiental que não têm acesso a crédito bancário e precisam de recursos para capital de giro. Outras aceleram negócios com o propósito de identificar e apoiar modelos inovadores. Há ainda as que viabilizam tanto os recursos financeiros quanto a assistência técnica, trazendo outros investidores e doadores para o jogo.

No setor financeiro, os atores provedores de capital fazem modelagens para tomada de decisões essencialmente fundamentadas em elementos monetizáveis. Algumas externalidades (efeitos colaterais sobre terceiros) começaram a fazer parte dos modelos de avaliação financeira, como o carbono, ainda de maneira incipiente, em mercados voluntários. Muitas outras externalidades ainda não são monetizadas, como biodiversidade e inclusão de minorias.

Tanto para as externalidades não monetizadas quanto para as de monetização incipiente, o capital filantrópico assume o papel de reduzir riscos para a atração de capital de mercado e, consequentemente, amplia impactos desejados. Em um cenário instável, como quase qualquer investimento na bioeconomia, a presença de uma entidade filantrópica de confiança reduz incertezas dos investidores sobre a qualidade do elemento a ser monetizado. Para as externalidades ainda não monetizáveis, o aporte da filantropia é ainda mais relevante, pois pode endossar a iniciativa em questão, dando concretude ao tema socioambiental promovido e mitigando riscos reputacionais para o investidor.

A flexibilidade do investimento das instituições filantrópicas também contribui para aumentar a agilidade das organizações financiadas diante um ambiente incerto e volátil, dando fôlego para dar escala a externalidades positivas, que não poderiam ser imediatamente incorporadas aos modelos tradicionais de viabilidade financeira. Na área de energia, por exemplo, a eólica e a solar receberam grandes investimentos filantrópicos, públicos e privados, e agora já são indústrias consolidadas, mantidas com investimentos de mercado.

Na prática, o que temos hoje é uma agenda com grande potencial, com concordância sobre o impacto desejado, mas em setores que ainda operam de formas distintas. De um lado, o mercado avalia os negócios com modelagens que ignoram externalidades positivas e negativas. Do outro, a filantropia investe com foco no impacto desejado, mas possui exigências menores em relação à escala da iniciativa.

O amadurecimento das operações de blended finance pode impulsionar agendas rumo a um modelo de desenvolvimento mais sustentável e que gere mais bem-estar social, sendo a monetização de externalidades uma das suas principais vias de encontro.

Nesse sentido, combinar a alma da filantropia com o espírito investidor só é possível com uma via de mão dupla: instituições e fundações se abrem para o viés de estruturação de negócios com maior escala e sustentabilidade financeira, enquanto os negócios se abrem para o recebimento de recursos filantrópicos e reporte do impacto gerado. A troca de conhecimentos entre esses dois setores pode ser poderosa e ampliar o impacto desejado. Oportunidades nesse modelo têm crescido, especialmente em negócios ligados à bioeconomia e à economia da restauração associada à descarbonização de setores industriais.

* Renata Piazzon e Thais Ferraz são diretoras do Instituto Arapyaú; Roberto S. Waack é presidente do Conselho do Instituto Arapyaú e colunista da Página22

[Foto: Marissa&Eric/Unsplash]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

CATEGORIAS

TAGS

©2020 Roberto S. Waack O conteúdo deste blog é original e está protegido por direitos autorais. Você pode citá-lo desde que dê o devido crédito.