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Entrevista | Brasil já é o país do futuro em biotecnologia – e pode ir mais além

por | 14/09/2022 | Estratégias, Gestão tecnológica e inovação

Entrevista publicada originalmente no site Prato do Futuro, em 14/09/2022

Membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos e Instituto Arapyaú, além de visiting fellow do Hoffman Center, da Chatham House (Londres), Roberto Waack é um pensador fora da caixa em relação à sustentabilidade, que é um dos temas de seu interesse. Nesta entrevista, ele fala principalmente de biotecnologia, área que domina até pela formação acadêmica em biologia, com mestrado em administração de empresas pela USP.

Waack destaca o papel de liderança do Brasil na área de produção de proteína animal, monitoramento de florestas e uso da biotecnologia, entre outras iniciativas, como a melhoria genética do gado bovino. E destaca a diplomacia climática como uma necessidade de liderança do país em nível mundial. Acompanhe.

Você tem uma formação diversificada, que envolve biologia, psicologia, história e administração. Poderia falar como ela influencia suas atividades?

Roberto Waack (RW): Sempre tive uma relação muito forte com questões ligadas ao comportamento. Estudava comportamento animal, arte pré-histórica etc., antes de entrar na faculdade. Depois que eu entrei na Biologia, acabei me interessando muito por neurofisiologia, fiz cursos de veterinária e continuei mergulhando no mundo comportamental. Isso também aconteceu com o curso de história e acabei misturando tudo no mestrado, na linha da nova economia institucional, área que se interessa, entre outras coisas, pela questão das decisões não serem totalmente racionais nos seres humanos. Então, a minha trajetória tem uma relação muito grande com essa combinação de decisões racionais, decisões nos campos empresarial e científico, mas com a limitação que elas possuem: são muito influenciadas por emoções, por elementos externos, o que faz com que as pessoas reajam de uma forma não tão racional.

E como isso é tratado academicamente?

RW: A teoria econômica chama de racionalidade limitada e o tema, inclusive, deu um prêmio Nobel, em 1978, a um pesquisador chamado Herbert Simon. Eu acabei misturando tudo isso com os desafios da sustentabilidade, porque passa por questões intangíveis como, por exemplo, as emoções que afetam a reputação e o consumo. Um exemplo é a decisão de deixar de comer carne. Não é uma decisão racional, mas fortemente associada ao bem-estar animal, às emoções associadas à forma como os animais são criados e ao abate. O medo relacionado às mudanças climáticas também envolve elementos emocionais. Tudo isso se traduz, de uma forma muito intensa, na reputação das empresas e afeta o valor delas. A ciência econômica evoluiu muito nesses anos e há um equilíbrio maior entre a racionalidade pura e a emoção.

Voltando para sua área principal, que é a biotecnologia, como você entende que ela tem apoiado (ou pode apoiar) a cadeia sustentável da agropecuária no Brasil?

RW: Eu entrei na biologia e acabei seguindo a biotecnologia, que tem dado uma enorme contribuição para a produção de alimentos. Existe uma frente importante, que é a produção de proteína para alimentação humana, a partir de biotecnologia, chamada de proteína sintética. Tudo isso envolve manipular microrganismos e o código genético para fazer produção, em laboratório, de proteína animal. Não tenho nenhuma dúvida que isso vai acontecer e a discussão é apenas quando e em qual velocidade a tecnologia vai se transformar em algo comercialmente equilibrado com as outras fontes naturais.

A China, por exemplo, toma isso como prioridade. É uma decisão política relacionada ao domínio de uma tecnologia que permita a redução da dependência de importação de proteína, uma vez que a população chinesa cresce mais desejosa de consumir este tipo de alimento. Muito provavelmente antes dessa onda tecnológica acontecer, o consumo de proteína animal convencional vai aumentar tremendamente. É por isso que a discussão é muito mais quando ela vai se consolidar do que se ela vai se consolidar. Provavelmente não vai substituir integramente a fonte animal, mas vai afetar esse mercado. É um aspecto da biotecnologia que influencia fortemente a produção de alimentos no mundo e a chamada transição alimentar, em pleno curso, com várias frentes: vegetarianismo, orgânicos, pegada de carbono, bem-estar animal, sanidade, saudabilidade, origem e autossuficiência.

Que outros diferenciais você aponta nessa tendência?

RW: Imagino um processo muito parecido com o que aconteceu, por exemplo, com a energia solar, com um período longo para ser economicamente competitiva. Acredito que estamos na fase ascendente de uma curva que não chegou ainda ao nível de competitividade das outras proteínas. A outra frente é o uso da biotecnologia no campo do monitoramento de enfermidades e de outras aplicações ligadas à sanidade. A biotecnologia está muito bem estabelecida há décadas na área da produção de vacinas e de testes de diagnósticos de enfermidades. Estamos falando, por exemplo, de uso de vacinas contra febre aftosa. A própria área de genética bovina, de transferência e manipulação de embriões, ou seja, do campo do melhoramento animal, é fortemente calcada na biotecnologia. Já está totalmente dominada e faz parte do dia a dia das grandes operações no início da cadeia. Agora, ela começa a chegar no meio da cadeia, que é área de produção de alimentos.

Ainda na área de biotecnologia, existem algumas pesquisas com alimentos que reduzem até a emissão de gases em bovinos, não é?

RW: É a biotecnologia sendo usada na nutrição e produção animal, quando se formulam alimentos com efeito nos microrganismos do trato digestivo, resultando em menor emissão de gases de efeito estufa. A biotecnologia tem esses impactos na produção de bovinos, mas já vem sendo amplamente usada na área de suinocultura e avicultura. Eu acho que isso vai causar uma mudança muito importante no aumento de produtividade, ao lado do uso de tecnologias de controle sanitário e de melhoramento genético. Em paralelo, a melhoria de pastagem pode fazer com que a produtividade no setor seja aumentada, além de tornar mais eficiente o controle das emissões de gases de efeito estufa.

Como essas mudanças afetam a organização do sistema de produção?

RW: A tecnologia nunca é homogeneamente absorvida por todos os elementos da cadeia. Quando você tem uma chamada revolução tecnológica ou impacto muito forte de uma tecnologia, ela muda o jogo e tem gente que consegue entrar no jogo e permanecer e tem gente que não consegue. Então, isso muda a estrutura da indústria, especialmente na mudança de padrões de produção. Hoje, já vemos esse impacto de mudança do padrão de produção, com a entrada de novos atores “antes da porteira” e “dentro da porteira”. E isso também causa uma mudança nas relações comerciais, porque são relações de poder entre os diversos elos da cadeia que também mudam.

No caso da bovinocultura, as transações são tipicamente spot. Na medida em que há uma mudança na estrutura, pode ser que essa indústria caminhe para ser mais parecida com a suinocultura, com contratos e integração maior entre os elos da cadeia. Essa é a base da minha dissertação de mestrado: quando você tem a entrada de uma tecnologia de uma forma muito intensa, ela muda o padrão da indústria e, quando isso acontece, ela muda a relação de forças entre os elos da indústria.

Você pode citar exemplos dessas mudanças?

RW: Já existe uma pressão muito grande nos frigoríficos para mudanças tecnológicas, na questão do uso da terra, do desmatamento, da sanidade animal, etc. Isso já existe e com a entrada da biotecnologia de uma forma mais ampla, vai se transformar em um elemento ainda mais preponderante nas transações comerciais que ocorrem entre os frigoríficos e os produtores. E no Brasil, que é um grande produtor e um líder na agroindústria, isso aconteceu graças aos esforços importantes realizados durante décadas. O Brasil tem uma base de conhecimento muito sólida, tem universidades muito preparadas e tem uma excelência internacional muito grande na ciência voltada para a produção de alimentos. O país está bem posicionado nesse quesito, e tem uma indústria forte, volume e capacidade comercial importantes. Ou seja, tem como lidar com os desafios. E há empresas como a Marfrig, que são internacionais, têm um posicionamento diferenciado, fundamental nessa discussão. São empresas chamadas de coordenadores de cadeia, que exercem o papel de influenciar fortemente cadeias inteiras, que proporcionam estímulos para desenvolvimento tecnológico nos seus fornecedores. Vemos isso acontecer, por exemplo, com o trabalho da Marfrig junto à cadeia de produtores, no melhoramento genético, na área de nutrição em melhoria de pastagem e consequentes impactos na redução de emissão de metano.

Poderia falar mais do papel das coordenadoras de cadeia, como a Marfrig?

RW: Elas proporcionam o acesso dos produtores à tecnologia. Por exemplo, podem envolver assistência técnica, muito relevante para pequenos produtores realizarem a melhoria da produção de bezerros. E isso não acontece só com os seus fornecedores. Ela tem uma contribuição muito grande para o país como um todo e não podemos esquecer das iniciativas de carne carbono neutro ou carne de baixo carbono, que é o outro lado, o lado do consumo. Ela fornece tecnologia na produção e, por outro lado, leva ao consumidor o resultado.

O que mais temos de avançado nesse campo tecnológico são os produtos mais alinhados aos sinais emocionais dos consumidores que desejam produtos com atributos novos. E vemos a Marfrig com esse papel de coordenadora de cadeia e como um ator internacional altamente relevante. Ela interage com um amplo espectro de organizações da academia e sociedade civil. Apenas para dar um exemplo, a organização holandesa IDH-Iniciativa para o Comércio Sustentável tem sido grande parceira no programa de bezerros, no Mato Grosso. E o Brasil tem todas as condições de liderar e tem liderado essa frente. O fato da Marfrig ser a potência que é também nos Estados Unidos só aumenta essa característica de coordenadora de cadeia. Não podemos deixar de lembrar, no entanto, que sempre que você tem um poder de coordenação de cadeia, você também carrega responsabilidades e elas são traduzidas em uma atenção muito maior da mídia, da sociedade, dos consumidores e do mundo. Cada vez mais tem se exigido transparência e que os líderes estejam alinhados com novos desejos da sociedade como um todo.

O consumidor está sensibilizado para questões como a carne neutra em carbono?

RW: O consumidor é muito heterogêneo. O mundo dos consumidores como um todo é extremamente inteligente, e entre eles há os que levam os temas adiante e que, muitas vezes – e cada vez mais – são os que fazem mais barulho. É evidente que existe um segmento importante dos consumidores que estão atentos a tudo isso e que exerce o papel de liderança para o segmento que vem logo a seguir, que são aqueles que seguem os líderes e que, de alguma forma, ainda influencia um pouco a grande massa.

Um dos elementos mais importantes de uma empresa que exerce a liderança é identificar quem são esses grupos, conectar-se a eles e entender o que estão falando. Quem exerce o papel de coordenador tem que estar muito sintonizado com esses grupos, tentando decodificar o que estão querendo dizer, o que, às vezes nem eles sabem exatamente, porque estão entrando naquele campo da racionalidade limitada, que são os desejos. São situações ainda muito pouco concretas, mas que são tendências e algumas delas simplesmente não ocorrerão. Outras podem avançar com uma velocidade muito grande e mudar o padrão da indústria.

A empresa tem de estar preparada para caso essa velocidade seja acelerada e ela consiga acompanhar a relação com os consumidores?

RW: A empresa que é líder tem que ter essa conexão muito forte com esses grupos, o que não significa que toda a sua linha de produção vai estar alinhada com essas tendências, porque a grande massa de consumidores ainda não adquiriu todos esses elementos e talvez nem venha a adquirir totalmente. Tendência é tendência, não é fato concreto. Pode ser apenas um sinal de mudança e esta pode ocorrer de forma não previamente identificada. Então, a sabedoria de uma empresa – que lida com grande escala e grande volume de consumidores com um espectro muito amplo – é conseguir achar esse equilíbrio e ter a sintonia com as grandes tendências, mas nunca esquecer de que a maior parte dos seus consumidores são pessoas que querem produtos tradicionais e que têm na questão do preço do produto um elemento central.

É muito importante que no campo do marketing uma empresa como a Marfrig consiga fazer esse equilíbrio entre prover produtos desejados pela maior parte dos consumidores e estar preparada para levar essas tendências para grande escala da produção no momento certo. Essa dosagem é algo extremamente importante e que tem de ser feita o tempo inteiro.

E como fica a relação com os produtores da cadeia que também são heterogêneos?

RW:  Eles são extremamente heterogêneos e acho que estão avançando por várias forças. Uma delas é o papel exercido por empresas como Marfrig. E aí esse papel se dá através desses programas de assistência técnica e de aproximação com esses pequenos produtores, no sentido de incluí-los na cadeia de suprimento, caso eles tenham deficiências. É preciso se envolver responsavelmente, ajudando-os no acesso à tecnologia e eventualmente ao crédito. Uma frente crescentemente importante é na solução dos seus eventuais passivos ambientais, colaborando para que possam retornar à cadeia de produção e não sejam expulsos, porque isso não vai resolver o problema, por exemplo, do desmatamento. Então, esse processo de relacionamento com os pequenos produtores, numa cadeia que é altamente dependente deles, é fundamental e faz parte desse conceito que a gente tem na discussão toda de sustentabilidade.

Assim como existem pequenos núcleos de consumidores que puxam tendências, a mesma coisa acontece na outra ponta da cadeia, você também tem pequenos grupos de lideranças, dentro dos produtores, que têm uma conexão com uma visão de mundo de futuro e que trazem essa visão de mundo para os seus empreendimentos. E a empresa coordenadora de cadeia tem que estar sintonizada com esses grupos, mesmo porque o Brasil tem a tradição de inovação.

Você disse que “o Brasil tem tradição de inovação”…

RW: Todos os dias surgem startups nessa área e eu acho que a gente tem de prestar muita atenção à nova geração de produtores, especialmente na bovinocultura. Há uma transferência, neste momento, de poder de famílias que são muito tradicionais na área da bovinocultura. A nova geração tem uma formação internacional muito grande, está conectada a essas tendências e leva isso para dentro das suas unidades de produção. Não é apenas uma situação que acontece com produtores grandes ou médios. Há muitos produtores pequenos com essa característica, que conseguiram levar seus filhos para as universidades e, agora, eles estão assumindo a operação e puxando a agenda. Não tenho nenhuma dúvida que a gente está vivendo um boom de inovação muito interessante nos pequenos produtores graças à mudança geracional.

O Brasil tem uma biodiversidade diferenciada em relação a outros países produtores de carne bovina. Como isso influencia na cadeia sustentável da carne?

RW: Olha, essa é uma força claríssima. A gente está vivendo ainda uma pressão muito grande por conta de mudanças climáticas e claramente o desmatamento é o grande vilão das mudanças climáticas no Brasil. São as mudanças no uso da terra, desmatamento, que respondem pela maior parte das emissões brasileiras de carbono, e a bovinocultura é a principal responsável. Infelizmente. E ela é extremamente heterogênea. Tem de tudo nessa cadeia. Então, a separação do joio do trigo é fundamental. A relação da bovinocultura com carbono está mais do que estabelecida e dificilmente vai ser possível comprovar que não há uma relação entre a pecuária e o desmatamento no Brasil, o que afeta a indústria como um todo. Mas o problema é ainda maior, porque há a questão dos danos à biodiversidade. Não tem nenhum outro país com a biodiversidade como a nossa e o grande risco nos últimos anos é que o desmatamento não é só um problema relacionado ao carbono, mas à perda de biodiversidade. Cada vez mais essa conexão entre clima e biodiversidade se consolida e a tendência é que ela seja cada vez mais forte, o que significa que a pressão sobre o Brasil será cada vez maior. Mas também há oportunidades. A condição de produção brasileira, por exemplo, pode ser muito favorável se estiver comprometida com zero desmatamento. A produção brasileira certamente poderá prover a carne mais correta do ponto de vista do carbono, da biodiversidade e de bem-estar animal, que são todas tendências atuais.

O dilema do Brasil está entre ser herói ou grande vilão?

RW: Ou um grande solucionador. Para ser o grande modelo dessa história, nós precisamos do papel de uma empresa que exerça coordenação da cadeia da pecuária e que, de alguma maneira, interfira nessa discussão e em políticas públicas e na participação mais ampla no ambiente de negócios brasileiros. Não estou dizendo nenhuma relação político-ideológica-partidária. Nada disso. E sim uma política de Estado. De novo: para poder usufruir de uma oportunidade que coloca o Brasil como o país que mais se aproxima dos modelos de produção que o mundo busca. Imagine a dificuldade da Europa ou mesmo dos Estados Unidos em conseguir ter uma produção bovina que inclua o benefício da conservação de forma indutiva, como o Código Florestal brasileiro? E que consiga ter a questão do bem-estar animal como a gente consegue tratar. Acho que podemos encarar esses desafios como grandes oportunidades. A conexão da biodiversidade com a agenda climática e a produção de commodities veio para ficar e só vai crescer nos próximos anos. Temos vantagens competitivas claras a explorar.

O Brasil já consegue mapear e demonstrar o diferencial sustentável, principalmente nessa questão de captura de carbono por meio de suas florestas e biodiversidade?

RW: Sim, o Brasil é uma liderança mundial na discussão de mudanças climáticas, especialmente na questão das florestas, e tem exercido essa liderança abertamente. O Brasil tem uma tecnologia de monitoramento de florestas, o MapBiomas, exportada para várias partes do mundo. O Brasil tem uma tecnologia de imagens de satélite ímpar e isso é amplamente reconhecido. E é uma liderança no desenho das regulamentações que tratam da importância das florestas na agenda climática, por ser um dos principais países florestais do mundo, se não o principal. É natural que o Brasil tenha essa liderança e ele sempre a exerceu, mas tem perdido essa posição por conta dessa situação de conflito que a gente passou a enfrentar. O reconhecimento não desapareceu e, como nação, continuamos sendo requisitados a participar das principais conversas e das principais negociações. Temos tecnologia para formatar o futuro da regulação climática de acordo com os nossos interesses, potencializando as nossas vantagens competitivas. A ausência dessas mesas de negociações diplomáticas não será favorável para reforçar nossas vantagens competitivas. O novo equilíbrio geopolítico climático está impondo condições que muitas vezes são adversas aos brasileiros. Por isso é tão importante o que se chama de diplomacia climática, e a participação do Brasil nas agendas internacionais. De um lado temos contribuições para dar e por outro lado temos que defender os interesses do país. Podemos defender os interesses com uma agenda positiva. Por exemplo, não precisamos mais de desmatamento para continuar crescendo como produtor de grãos ou de proteína animal.

Você poderia citar ações concretas dessa agenda positiva na pecuária sustentável?

RW: A discussão do metano é central e passa por tecnologia de produção como nós falamos, incluindo pastagens, genética, alimentação e modelos de produção, entre outros. Ela passa por exercer uma liderança inquestionável, que é o monitoramento. Padronizar metodologias de mensuração de carbono não é fácil em uma cadeia tão complexa quanto a nossa, mas é uma frente que traz credibilidade e legitimidade. A liderança da Marfrig no Science Based Targets é um exemplo. É preciso ter muita solidez científica e técnica para ter ações concretas. Já falamos de uma liderança no monitoramento por satélite e imagens, mas também estamos avançando fortemente no monitoramento de carbono no solo, que é uma coisa extremamente complicada e muito importante para o campo da pecuária. É importante o quanto conseguimos tratar o solo nas pastagens extensivas que a gente tem e o quanto esse solo e a forma como a gente faz as pastagens pode contribuir para, por exemplo, reter o carbono.

Você é membro de conselhos de administração de grandes companhias. Como o tema ESG tem avançado nesse tipo de fórum?

RW: Felizmente não estou em nenhum conselho de empresa que ainda não entrou nesse jogo (do ESG), que continua negando ou que está com uma atitude de espera. Essas empresas hoje são de alto risco. Por mais que não se acredite, essa agenda veio para ficar e a discussão não é se, mas quando ela será adotada em todos os negócios. Tem o grupo de empresas que adota o chamado greenwashing e também aquelas que querem virar verde e não sabem muito bem como fazer isso. E aí é que eu acho que está a maior parte delas. Começam a perceber que têm oportunidades de negócios porque o ESG vai fazer parte das demandas de seus clientes, das regulamentações legais e do setor financeiro. ESG é apenas uma nova nomenclatura para um conjunto de práticas que devem ser incorporadas nos modelos produtivos. No meu entender, não deve ser nada além da incorporação, nos modelos produtivos e comerciais, de práticas que evitem danos sociais e ambientais, as chamadas externalidades negativas.

No campo das oportunidades, pode ser o desenvolvimento de negócios, ou modelos de negócios, que gerem benefícios sociais e ambientais para a sociedade como um todo. Esses benefícios podem ser associados a seus produtos tradicionais. O caso da carne carbono neutro da Marfrig é um bom exemplo, que combina segurança alimentar com a eliminação de uma externalidade negativa (a emissão de carbono). A esse componente, ainda se aliam práticas de bem-estar animal e inclusão de produtores que podem ter seus passivos ambientais equacionados com a ajuda da empresa. Claro que este ainda é um produto de vanguarda, típico de uma empresa líder, mas não deixa de ser um belo exemplo de conexão com tendências no campo das demandas ESG.

Como a decisão sobre como este tipo de produto é tratado no âmbito do Conselho de Administração e alinhamento estratégico?

RW: A entrada da Marfrig no mercado das “carnes” vegetais é um bom exemplo. A Plant Plus pode parecer uma contradição para uma empresa tão reconhecida na bovinocultura, mas na realidade trata-se acima de tudo de uma decisão voltada a respeitar uma tendência do consumidor de poder optar, mesmo que não radicalmente (vegetarianos por exemplo) em consumir diversas alternativas de proteína. Um novo negócio amplamente discutido na mais alta instância de governança da empresa. Ou seja, é o ESG indo muito além do “livro” de boas práticas na produção, mas moldando uma forma da empresa se conectar e, por que não, liderar e moldar o futuro.

[Foto: Felixioncool/Pixabay]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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