Artigo publicado originalmente da Folha de S.Paulo
À medida em que a recuperação dos impactos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), se desenvolve, ficam claros três desafios não imaginados no texto inicial do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado poucos meses após o desastre ocorrido em 2015: entendimento e dimensionamento do cenário; a participação dos diversos segmentos; e a condução de um processo inclusivo com foco nos resultados, e não nos meios.
Um desafio crítico é o entendimento, o dimensionamento e a delimitação da abrangência do desastre. Pelo ineditismo das soluções, é preciso haver disposição para aprimoramentos, aceitação de erros e abertura para redesenhos. Infelizmente, o desastre não proporciona disposição para ajustes permanentes. No lugar da postura construtiva, predominam embates improdutivos.
O esforço de entendimento do evento exige identificação e mobilização dos diversos segmentos da sociedade direta ou indiretamente implicados. Evidentemente, o grupo mais importante é o dos atingidos. São diversas comunidades, extremamente heterogêneas. Na maioria dos casos sem estruturas formais de organização, com pouca experiência na indicação de representantes.
No caso do rio Doce, a pouca participação deste grupo de pessoas na concepção do TTAC gerou uma fragilidade de nascença, potencializando críticas e embates. Por outro lado, o TAC de Governança, assinado no final de 2018, é um exemplo de evolução, com a incorporação das comunidades na gestão da reparação.
A inclusão dos atingidos na governança da reparação do rio Doce vem se somar a um sistema que conta com 70 organizações reunidas no comitê interfederativo e em suas 11 câmaras técnicas. Em três anos, foram cerca de 400 reuniões para debates e direcionamentos sobre os 42 programas definidos no TTAC.
Uma média de uma reunião a cada dois dias, envolvendo mais de 120 profissionais dos órgãos signatários do acordo. Ao mesmo tempo, vultuosos contratos com nove entidades, mobilizando mais de 300 consultores, asseguram ao Ministério Público e aos atingidos informações técnicas sobre o processo de reparação em curso. A reconstrução do rio Doce é conduzida por uma cadeia de entidades das instâncias federal e estadual, envolvendo as empresas mineradoras, cerca de 30 instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil.
O modelo pode e deve ser criticado pela sua potencial ineficiência, mas evidentemente é participativo. As discussões sobre quem controla ou deveria controlar o processo da reparação são intermináveis. Requerem quase tanta atenção e energia quanto as infindáveis horas em reuniões de governança e demandas das consultorias e auditores. Faz sentido? De uma forma caótica, outros desafios se misturam num contexto histórico de degradação ambiental da bacia do rio Doce.
Poderes executivos e legislativos locais, com agendas diversas, nutrem expectativas de suprimento de funções que claramente não devem ser atribuídas à Fundação Renova. É nesse contexto que a Fundação Renova tem atuado, desde agosto de 2016, buscando soluções inéditas para os impactos ambientais e formas de indenizar inclusive pessoas que não conseguem comprovar renda por causa da informalidade.
Há uma extensa lista de atividades realizadas, incluindo os mais de R$ 1,5 bilhão alocados em mais de 300 mil indenizações, o esforço no reassentamento, sistemas de monitoramento da qualidade da água, melhoria das estações de tratamento de água, ações de restauração ambiental, mais de R$ 5,5 bilhões investidos e uma rede de mais de 7.000 profissionais trabalhando.
As críticas à velocidade das ações de reparação são legítimas. No entanto, a descredibilização do atual sistema de reparação, com foco no desempenho da Fundação Renova como depositária de todos os desafios indicados, é simples de ser feita, mas dificilmente resultará em benefício para os atingidos.
Entendemos que este modelo de controle social é um imenso avanço para situações com a complexidade que grandes desastres suscitam. O aprendizado de como lidar com essas situações, tendo a mediação de conflitos em substituição a processos judiciais, deveria ser mais amplamente estudado, debatido e considerado como solução.
* Diretor-presidente da Fundação Renova, criada em 2016 para reparar danos ambientais e sociais provocados pelo rompimento da barragem de Mariana (MG)
[Foto: Gustavo Baxter/Nitro]