Artigo publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, em 19 de setembro de 2022
Roberto Waack, Renata Piazzon, Izabella Teixeira e Francisco Gaetani*
Quem participa das negociações internacionais relacionadas às mudanças climáticas tem observado que o perfil dos representantes dos países envolvidos neste debate tem mudado. Os negociadores não se circunscrevem mais a diplomatas ou a especialistas da área ambiental e são cada vez mais oriundos da área econômica, da chefia do Poder Executivo (Presidência da República ou gabinete do primeiro-ministro) e de outras áreas estratégicas e sistêmicas dos governos.
O significado dessa alteração é claro: o assunto não está mais restrito ao escopo da esfera ambiental, evidenciando que as soluções para a crise climática envolvem mudanças na economia global, nos estilos de vida, nos meios de produção e de consumo, na redução de desigualdade e no acesso ao mundo digital-tecnológico. Há uma crescente consciência de que a emergência climática é um problema prioritário de toda sociedade.
O Brasil, no entanto, parece alheio, renunciando à sua liderança histórica neste debate. Até recentemente, a agenda climática no País vinha sendo conduzida pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores. Existiam, também, mecanismos colegiados, sendo o principal deles coordenado pela Casa Civil, com a presença dos Ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação, de Minas e Energia, da Agricultura e Pecuária, do Desenvolvimento Regional, do Planejamento, da Fazenda (os dois últimos hoje unificados).
Esse arranjo entrou em colapso no atual governo. A Casa Civil e o Ministério da Economia se afastaram do tema. O Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Relações Exteriores adotaram, em primeiro lugar, uma atitude hostil às negociações internacionais e, após a substituição dos titulares originais, uma atitude mais neutra, orientada para lidar com os danos reputacionais do País.
Considerando a centralidade do tema nas discussões de desenvolvimento e de geopolítica, a proposta da criação de uma Secretaria de Estado de Emergência Climática, diretamente vinculada à Presidência da República, surge como um arranjo institucional a ser considerado pelo próximo governo. Esta secretaria incluiria um órgão colegiado, presidido pela Casa Civil e secretariado pela própria secretaria. Contaria com a participação dos Ministérios das Relações Exteriores, da Economia, do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da Agricultura, da Integração Nacional, da Ciência e Tecnologia, de Assuntos Estratégicos e com representantes da comunidade científica, do setor privado, dos entes subnacionais, do terceiro setor e da sociedade civil.
O posicionamento nodal da secretaria junto da Presidência permitiria sua atuação estratégica, do ponto de vista da coordenação interministerial e intergovernamental na construção dos interesses nacionais e na condução das negociações internacionais (em conjunto com o Itamaraty) e nacionais relacionadas ao assunto. A atenção do presidente da República é recurso vital para a configuração de uma governança climática dinâmica e contemporânea, consistente com os interesses e as potencialidades nacionais.
A reestruturação produtiva rumo a uma economia de baixo carbono inclui temas cuja complexidade e cujos horizontes são diferenciados – tais como transição energética, desenvolvimento regional, adaptação e relações internacionais. A criação de uma secretaria com mandato presidencial para conduzir, amadurecer, fundamentar e acelerar esses processos auxiliaria governo e sociedade na internalização do debate e na objetivação de medidas destinadas a enfrentar a emergência climática.
O anúncio da decisão, seja na campanha presidencial ou logo após as eleições, permitiria a sinalização para a sociedade brasileira e para a comunidade internacional do início de uma nova era relacionada à forma como o Brasil lidará com o tema.
Na ocasião, pode-se considerar a oportunidade da participação de membros da equipe de transição na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, a COP-27, em novembro, no Egito. O Brasil pode, inclusive, caso o novo governo queira enviar uma mensagem mais forte de sua vontade de reassumir a liderança global nesta agenda civilizatória, reapresentar a disposição para hospedar a COP-28.
A inter-relação da agenda climática nacional e internacional apresenta um conjunto extraordinário de oportunidades para o Brasil em múltiplos setores, como comércio internacional, relações exteriores, desenvolvimento regional, economia florestal, bioindústria, ecoturismo, agropecuária sustentável, mercado de carbono, infraestrutura resiliente e sustentável e vários outros.
O novo governo, com trânsito internacional e acesso aos múltiplos grupos de interesse e movimentos sociais que operam esta agenda, pode fazer diferença para o Brasil retornar ao seu lugar de protagonista global no debate climático.
* Integrantes da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, são, respectivamente, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú; diretora do Instituto Arapyaú; e membros do Programa de Fellowship do Arapyaú
[Foto: Plenária de encerramento da COP 26. Kiara Worth/UNClimateChange/Flickr]