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Baixas emissões de carbono no uso da terra (parte 3): inovação e capacidades dinâmicas

por | 31/03/2017 | Mudanças climáticas, Sustentabilidade

Publicado originalmente no site da Fundação Renova.

Inovação e capacidades dinâmicas

“Só sabemos quando sabemos pouco; com o conhecimento, cresce a dúvida”. Goethe

A gestão das externalidades é um dos principais motores de inovação no mundo atual. Um dos grandes estudiosos do papel da inovação na gestão empresarial, David Teece, do Institute for Business Innovation, da Universidade da Califórnia (Berkeley), aborda há alguns anos o conceito de capacidades dinâmicas. Sua aplicação para o setor agroflorestal é mais atual do que nunca. Ele passa por importantes rupturas tecnológicas em várias fronteiras: florestal, uso do solo, intensificação da produção, industrialização e logística de alimentos, fibras e energia.

Para Teece, os vencedores no âmbito global serão empresas com respostas rápidas e dinâmicas ao ambiente inovador, demonstrando capacidades gerenciais para incorporar novas competências e lidar com os novos desafios, internos e externos, que se apresentam. Ou seja, a inovação não se dá apenas no campo das novas tecnologias ou produtos, mas exige novas competências em modelos de gestão. O conceito das capacidades dinâmicas enfatiza dois aspectos: o primeiro, a habilidade de entender e incorporar velozmente mudanças do ambiente externo; o segundo, a necessidade de adaptar, integrar e reconfigurar elementos organizacionais, recursos, competências e rotinas funcionais.

Terminado o longo processo em prol de uma reação dos países à ameaça das mudanças climáticas, que culminou com o Acordo de Paris, iniciou-se uma nova jornada. Entramos na fase da curva das tecnologias necessárias para a consolidação da economia de baixo carbono. Segundo a teoria dos ciclos de vida tecnológicos (“curva S” de inovação), as tecnologias que substituirão as predominantes em cada período estão escondidas nestas.

Num primeiro momento, ainda são menos eficientes, mais caras, menos afáveis aos consumidores, demandantes de mudanças de hábitos e regulamentações. Precisam entrar na fase de crescimento exponencial para, finalmente, superarem a forma tradicional como os bens são produzidos. Para tanto, costumam demandar eventos como a COP-21 – um ponto de virada, um tipping point.

Durante a Conferência de Paris, Christiana Figueres, ex-secretária-executiva da Convenção- -Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), mencionou algumas vezes que “o sinal está acima dos ruídos”. Leia-se: a COP-21 confirmou o sinal de que o futuro será de uma economia de baixo carbono. Os ruídos são as dúvidas da citação de Goethe. A frase reflete o fato de que a abrangência e os abismos de uma área de conhecimento crescem para aqueles que neles se aprofundam. As perguntas em aberto se multiplicam, em vez de diminuírem. O movimento da Coalizão Brasil, Clima Florestas e Agricultura vivencia diariamente essa situação.

Mudanças de tecnologia ocorrem quando certa massa crítica é atingida. Discutindo o papel dos diversos atores no campo da consolidação da economia de baixo carbono, Al Gore usa um chiste bem-humorado e esclarecedor: “O presidente dos Estados Unidos chega a um jantar e pede manteiga. O garçom se nega. O presidente o questiona: ‘Você sabe com quem está falando? Eu sou o presidente dos Estados Unidos!’ E o garçom responde: ‘E eu cuido da manteiga’.”

Quem cuida da iguaria para passar no pão em cada momento são os empresários e a sociedade civil. Governos têm um papel crítico na consolidação do ambiente político-regulatório, mas o cardápio de oportunidades é estimulante. Ainda não se sabe muito bem como o sistema econômico funcionará em um ambiente em que a economia do carbono será preponderante.

Nesse jogo, o setor privado tem papel determinante, não apenas enfrentando o dilema moral das externalidades, mas liderando as oportunidades que o novo cenário oferece. Trata-se de um ambiente desafiador, distinto da forma como a economia se desenvolve tradicionalmente. Por isso ainda não está claro como evoluirá. A inclusão social e ambiental é inexorável. “Nós criamos um sonho muito poderoso. Agora, precisamos criar a realidade”, disse Figueres, citando Golda Meir.

O diálogo entre nações não é trivial, mas tudo muda quando a comunidade de investidores institucionais entra em campo. A compreensão de que suas responsabilidades fiduciárias estão relacionadas às mudanças climáticas é evidente e requer novas formas de lidar com perfis de investimentos. Daí se depreende que as oportunidades do agronegócio brasileiro são imensas e requerem ajustes na maneira como a terra é usada. Já não basta observar somente o que ocorre dentro das fazendas. É preciso buscar maior integração com o entorno.

O conceito de gestão da paisagem se mostra um caminho promissor. Novas capacidades profissionais se impõem, expandindo a já inovadora gestão das externalidades para uma visão territorial mais ampla, interdependente e complexa.

Tom Steyer, um dos grandes nomes do universo das gestoras de capital, ressalta que o jogo passa por três “Cs”. Primeiro, clareza, especialmente dos compromissos dos países, alinhando a agenda privada às Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas (INDCs) e ao compromisso vinculante com a transparência e as mensurações das emissões de gases-estufa. Segundo, cooperação, ou interdependência, pois nada ocorrerá de forma isolada. Os vínculos estão se tornando evidentes e no meio deles há oportunidades de novos arranjos institucionais e empresariais. Finalmente, confiança, crucial para expectativas e decisões de longo prazo, mas altamente dependente do momentum que a agenda de Paris impôs. Clareza é a base para a construção de cooperações, e estas geram confiança.

O papel de atores financeiros navega pelo mundo do impacto da agenda do clima na valoração de ativos. Valuations mudarão dramaticamente com a inclusão de externalidades e riscos futuros associados às mudanças climáticas. Mas não só riscos. Mergulhar nas oportunidades das novas fronteiras e inovações que essa agenda oferece será determinante para definir as lideranças que ocuparão o espaço da economia de baixo carbono. Em outras palavras, um dos grandes riscos é justamente a perda da oportunidade. Avanços na precificação e na taxação de carbono estão nesse horizonte. Negócios associados a emissões – como os relacionados a combustíveis fósseis – se confrontam com os que promovem o sequestro e a estocagem de carbono, a exemplo dos florestais. A característica única do segmento do uso da terra e sua relação com emissões se sobressai. Inovações voltadas para reduzir emissões decorrentes de gestão da terra, relações com conservação e restauração de solos e florestas, além de avanços na produção de commodities agrícolas e florestais, eventualmente combinadas, aliam-se à remoção de carbono decorrente do metabolismo vegetal preservado e impulsionado.

Uma das discussões mais ricas diz respeito às macroalternativas para se lidar com a redução de emissões. Uma linha defende que as soluções virão do desenvolvimento de tecnologias voltadas para a baixa emissão de carbono e do sequestro dele na atmosfera. São as chamadas, caricaturalmente, “árvores artificiais”, aposta dos países desenvolvidos. Do outro lado aparece a defesa contundente das florestas como os meios mais eficientes para retirar e manter estoques de carbono. O Brasil tem vantagens comparativas relevantes no uso do solo e na produção de alimentos, fibras e energia. A mobilização dos principais atores florestais e do agronegócio – inclusive a pecuária e sua inter-relação com a sociedade civil – é crucial para que possamos aproveitar a nova onda tecnológica.

No caso brasileiro, ela se baseia na ampla valorização do capital natural. O país domina a maior parte dos fundamentos tecnológicos necessários. Entre as demandas, esforços de refinamento, como é o caso do domínio da silvicultura de espécies nativas (para a agenda da restauração), e a consolidação das oportunidades de combinar floresta com agricultura. O ajuste de políticas públicas é fundamental, como demonstra o bem-sucedido caso do etanol.

Na lista de desafios práticos aparecem os instrumentos de monitoramento, controle e rastreabilidade para acabar com o desmatamento e o comércio de madeira ilegal. Isso não significa que o Brasil atuará apenas no front das mudanças do uso do solo. As emissões nacionais crescem nas áreas da energia e do transporte (combustíveis), mas ambas também podem ter soluções parciais a partir da boa gestão do capital natural. A logística de baixo carbono é um exemplo.

Esse jogo da consolidação das novas curvas tecnológicas depende de muitos atores. A liderança no desenvolvimento e no uso de novas alternativas tecnológicas parece estar no setor privado, mas ele demandará políticas públicas contundentes e elementos como a mudança de hábitos de consumo e o componente educacional da população.

Clique aqui e confira a quarta parte do artigo.

[Foto: Devi Puspita Amartha Yahya/Unsplash]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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