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Baixas emissões de carbono no uso da terra (parte 2): gestão de externalidades

por | 29/03/2017 | Sustentabilidade

Publicado originalmente no site da Fundação Renova.

A RACIONALIDADE ECONÔMICA DA GESTÃO DE EXTERNALIDADES

“O que é um cínico? Um homem que sabe o preço de tudo, mas não sabe o valor de nada”. Oscar Wilde

Na medida em que as diversas dimensões da sustentabilidade e da economia de baixo carbono avançam, algumas definições se consolidam. Uma delas é a ideia de externalidade, particularmente relevante no agronegócio e por sua relação com a conservação. O conceito é muito simples: externalidades são “efeitos indiretos, negativos ou positivos, da produção de bens ou serviços, transferidos a indivíduos e/ou a entidades não envolvidas no processo produtivo; a poluição ambiental é um exemplo de externalidade negativa”. Esta é uma citação do documento Environmental Markets: a New Asset Class, publicado pelo CFA Institute, que reúne profissionais de investimentos e é considerado uma das mais renomadas entidades do universo financeiro.

Esse posicionamento claro indica que o tema deixou de se limitar ao mundo das organizações não governamentais (ONGs) que trabalham com o ambiente ou a questão social. Poucos segmentos incorporaram o tema das externalidades tão profundamente quanto o agronegócio, especialmente no Brasil. O desmatamento é o principal exemplo, e sua relação com a questão hídrica reforça sua relevância prática. Há estimulantes nuances na definição do termo. Ricardo Abramovay, do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo, trata de uma questão central, a monetização das externalidades, ou seja, de “tudo aquilo que produz algum impacto negativo ou positivo sobre alguém e que não entra no sistema de preços”.

Carlos Eduardo Frickmann Young, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, segue a mesma linha: “significa que, em vez de todo mundo pagar o pato, que pague o pato quem é responsável por ele”. Ou seja, identificar, qualificar, quantificar e, se possível, monetizar externalidades passam a ser um desafio para o mundo empresarial. Proliferam tentativas de quantificação e valoração: “O valor de tudo que a natureza oferece sem cobrar ao ser humano é estimado em US$ 124,8 trilhões por ano, o que corresponde, aproximadamente, ao dobro do PIB mundial”, escreve Robert Costanza, professor da Australian National University.

O CFA Institute aponta que 40% das mortes no mundo resultam de fatores ambientais, inclusive efeitos secundários da degradação ambiental e da disseminação de enfermidades. Também cita a poluição, que causa a perda de cinco anos de vida por pessoa no norte da China. O Principle of Responsible Investments estima que o custo anual de danos ambientais causados pela atividade humana chega a US$ 6,6 trilhões, ou 11% do PIB mundial, e que 1/3 desse custo é de responsabilidade das 3 mil maiores empresas do planeta.

No livro Big World, Small Planet, Johan Rockstrom apresenta preocupantes estatísticas complementares ao aumento da concentração de CO2 no planeta. Elas incluem o aumento exponencial de impactos decorrentes da chamada “grande aceleração da atividade humana” a partir de meados do século XX. Dobraram ou quase triplicaram concentrações atmosféricas de dióxido de nitrogênio (NO2) e de metano (CH4), com acidificação de oceanos, perdas de florestas e degradação da biosfera.

Inúmeras análises apontam que foi ultrapassado o limite de pressão sobre o capital natural do planeta. Várias organizações se dedicam a buscar esses valores, com números variadíssimos e muitas vezes divergentes. Isso sinaliza que o estágio atual é menos a procura por precisão e mais a construção de metodologias. Além disso, elas apontam responsabilidades que afetam a reputação de setores e o valor econômico de empresas.

A reputação dos produtores de alimentos no Brasil sofre danos comercialmente relevantes por causa da associação dessas empresas com o desmatamento. O debate sobre quem deve pagar a conta das externalidades relaciona-se diretamente com emissões de gases-estufa, danos a recursos hídricos, perda de biodiversidade, degradação de solos e impactos sociais variados. Por outro lado, avançam certos debates sobre remuneração de serviços ambientais decorrentes, entre outros elementos, da conservação de florestas.

A efetiva implementação do Código Florestal Brasileiro parece depender do equilíbrio entre essas duas vertentes de externalidades, as negativas e as positivas. Conhecer com profundidade os efeitos socioambientais das reservas legais e das áreas de preservação permanentes, estabelecendo métricas, é um dos belos desafios que o uso da terra no Brasil terá que enfrentar.

A sociedade precifica externalidades, ainda que com grande imperfeição. Essa discussão tem proporcionado o debate sobre custos e preços reais. Afinal, como embutir nos custos de um produto os eventuais danos causados pela sua produção? O assunto é complexo e controverso.

Pode-se admitir que todas as externalidades são monetizáveis? A ativista e bióloga Jutta Kill, do World Rainforest Movement, publicou o livro Economic Valuation of Nature, questionando a monetização de externalidades como alternativa para que seu valor seja considerado pela sociedade: “Calcular o valor econômico não é o mesmo que colocar uma etiqueta de preço na natureza”.

Um dos principais líderes desse debate, o economista indiano Pavan Sukhdev, argumenta desafiadoramente que a invisibilidade econômica da natureza precisa terminar. “Usamos a natureza porque ela tem valor, mas perdemos a natureza porque ela não tem preço. Atualmente, ninguém paga pelos serviços ecossistêmicos. Ao mesmo tempo, faltam incentivos aos que fazem as coisas direito… É preciso criar um mercado”.

Em contraposição, Geoffrey Heal argumenta que “se a nossa preocupação é conservar os serviços ecossistêmicos, a valoração é amplamente irrelevante… Valoração não é nem necessária nem suficiente para conservação. Nós conservamos muito do que não valorizamos, e não conservamos o que valorizamos”. Esse debate se dá em torno do pagamento por serviços ambientais, que em alguns casos legitima a exploração econômica do recurso natural ou a emissão de poluentes.

Os modelos de comercialização de créditos de carbono vão nessa direção, com permissões transferíveis do direito de poluir, ou seja, estabelecendo-se um preço para esse direito. Alternativas como a taxação de carbono são amplamente discutidas e, em casos relevantes, implementadas em vários países do mundo. Há uma acirrada disputa sobre se a criação de um mercado de externalidades seria uma opção aceitável.

O futuro aponta para uma composição em que as externalidades deverão ser indicadas de modo transparente, verificadas, certificadas por mecanismos independentes, com governanças multistakeholder, afetando o valor das organizações de forma ampla (não só no aspecto econômico), definindo-se medidas com métricas bem mais precisas que as atuais, com mercados estruturados para algumas categorias. Certamente, nem todas serão monetizadas ou precificadas, mas terão seu valor reconhecido.

Clique aqui e confira a terceira parte do artigo.

[Foto: Gustavo Baxter/Nitro]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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