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Baixas emissões de carbono no uso da terra (parte 5): inovação em florestas

por | 07/04/2017 | Mudanças climáticas, Sustentabilidade

Artigo publicado originalmente no site da Fundação Renova.

Inovação em florestas

Não faltam estudos, relatórios e menções a restauração e reflorestamento. No Brasil, a meta mais intensamente discutida é a de restaurar 12 milhões de hectares, integrante da Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC, na sigla em inglês). No exterior, destacam-se duas iniciativas relevantes e complementares: o Bonn Challenge e a New York Declaration on Forest. A primeira tem a aspiração de restaurar, até 2020, 150 milhões de hectares de áreas desmatadas. Na segunda, além do total apontado no Bonn Challenge, pretende-se adicionar outros 200 milhões de hectares até 2030. As três proposições mencionadas se alinham com o Acordo de Paris. Todas são consideradas bastante ambiciosas.

Em estudo recentemente realizado pela The New Climate Economy, a vertente da mudança do uso da terra (AFOLU) aparece como tendo um grande potencial para a redução de emissões de gases-estufa até 2030. O documento estima que o reflorestamento pode promover uma redução anual de emissões da ordem de 1,2 a 2,9 gigatoneladas de CO2e. O montante representa entre 3% e 5% do total de reduções que são necessárias para manter o aquecimento global abaixo de 2 °C, tendo como referência o período pré-industrial.

Um dos grandes debates sobre a chamada agenda da restauração florestal se ateve aos custos para reflorestar um hectare. Embates ideológicos buscavam defender diferentes modelos, com matizes mais ambientais ou mais econômicos. Em uma primeira estimativa, o Instituto Escolhas, sob a demanda da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, apontou a necessidade de investimentos da ordem de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões para o reflorestamento dos 12 milhões de hectares até 2030 (seguindo a INDC brasileira).

Tal indicação se fundamentou na distribuição da atividade em cinco modelos distintos de recuperação florestal: (a) condução e enriquecimento, (b) adensamento e enriquecimento, (c) plantio direto de mudas e sementes, (d) plantio consorciado de espécies nativas e exóticas e (e) sistemas agroflorestais. Assim, a agenda da recuperação florestal é bastante ampla, não havendo uma separação rígida entre os distintos modelos. Podem ocorrer casos de combinação e transição gradual entre eles.

Esse cenário demanda um consistente esforço em pesquisa e desenvolvimento. O Brasil conta com um dos melhores arsenais tecnológicos do mundo em silvicultura, atestado pela competitividade do plantio de espécies como pinus e eucalipto. Portanto, o desafio não é realizar uma ruptura tecnológica, mas transpor entre espécies os amplos conhecimentos silviculturais. Exemplos disso são temas como conquista de uma boa base de genética de espécies nativas, obtenção e tratamento de sementes, produção de mudas, melhoramento genético clássico, tratos silviculturais, controle sanitário, estabelecimento de curvas de crescimento, consórcios e monitoramento do plantio.

As previsões de demanda por produtos florestais crescem velozmente. O principal motor desse fenômeno é a consolidação da bioeconomia, com segmentos de mercados ampliados (energia, biomateriais, indústria química). As empresas mais tradicionais do setor lideram o processo, atentas às demandas de consumidores finais e aos elementos reputacionais de integrantes da cadeia de valor. É emblemática a frase exposta pela Stora Enzo, uma das mais antigas e inovadoras empresas do setor: “Tudo o que é feito de combustível fóssil hoje poderá ser feito a partir de uma árvore amanhã”.

A oferta nas dimensões estimadas só poderá ser alcançada com intensificação das plantações, maior eficiência e adoção dos sistemas de manejo sustentável no mundo todo. Essas tendências se confirmam pela redução das taxas de desmatamento e a consequente diminuição da oferta de madeira derivada de conversões florestais.

No âmbito florestal, consolidam-se as inovações na silvicultura de precisão, com a inclusão de monitoramento (que vai do processamento de imagens de satélites ao uso de drones), georreferenciamento e data management como rotinas. A biotecnologia avança a passos largos, com impactos na produtividade, na resistência a pestes e na adaptação a condições ambientais, como estresse hídrico e solos com deficiências nutricionais. Estima-se que até 2050 o melhoramento genético pode ter o potencial de dobrar a taxa de crescimento florestal média no mundo.

A aplicação da biotecnologia é um bom exemplo de como o conceito de capacidades dinâmicas pode ser aplicado. A fronteira não está apenas na inovação tecnológica; demanda a incorporação de competências na condução do debate sobre árvores geneticamente modificadas. Iniciativas de diálogo vêm crescendo, mas alguns agentes envolvidos (não só ONGs, mas também empresas ligadas ao consumidor final) ainda hesitam quanto à inexorabilidade tecnológica, embora reconheçam seu alcance e seu valor. O debate vai além da questão da segurança ambiental, abrangendo elementos ideológicos, como distribuição dos benefícios sociais da nova tecnologia.

Ainda no campo florestal, conhecimentos aplicados à regeneração florestal e à recuperação de solos e áreas degradadas formam uma demanda forte, com ampla discussão sobre modelos silviculturais de espécies nativas e atenção aos diversos modelos de restauração existentes. Na silvicultura, o conceito de uso múltiplo se estabelece como paradigma de boa prática. Países com rendas elevadas, a maioria no hemisfério Norte, dominam amplamente essas técnicas, mas a aplicação delas no Brasil ainda é bastante restrita.

De maneira geral, amplia-se o uso múltiplo e total das árvores e de subprodutos florestais e industriais, como a lignina, no setor de papel e celulose, e resíduos de serrarias, no setor de madeira sólida. Na frente de processamento industrial destacam-se avanços em bioenergia, seja no uso direto da madeira como componente térmico ou termelétrico ou na produção direta de combustíveis de segunda geração. O mercado de biomateriais se amplia, com forte destaque para bioplásticos, têxteis, biocompostos, painéis e materiais automotivos, com especial destaque para produtos de baixo peso, com impacto positivo nas emissões de gases-estufa do setor de transportes. A aplicação de produtos florestais na produção de compostos químicos como açúcares, fenóis, ácidos, abrasivos, colas e outros segue se desenvolvendo, com produções entrando em escalas piloto e industriais na América do Norte e em países nórdicos.

As inovações na indústria florestal incluem avanços na área da rastreabilidade de produtos, especialmente crítica em produtos oriundos de zonas tropicais, seguindo a tendência de monitoramento da origem, para além da legalidade demandada por reguladores dos principais países compradores. Esse é outro bom exemplo de como as capacidades dinâmicas extrapolam o ambiente interno das empresas, muitas vezes limitadas ao que acontece em suas florestas e indústrias.

O aumento da complexidade das transações comerciais e a aceitação de produtos demandam competências inovadoras em marketing, relacionamento, gestão de marcas e reputação. O dinamismo no mundo da gestão de externalidades e da licença social para operar explica o crescimento da certificação voluntária, notadamente Forest Stewardship Council (FSC), e de iniciativas como The Forest Dialogue e New Generation Plantations. As participações ativas nesses fóruns demandam competências complementares às tradicionais, representando o que Teece considera como desafios externos dinâmicos.

Por isso há o consenso de que o consumo será determinante na inovação, sobretudo com o aumento da conscientização do papel positivo de florestas e produtos delas derivados nas mudanças climáticas e na consequente demanda de produtos alternativos a combustíveis fosseis. O desenvolvimento de inovações no campo florestal está diretamente ligado ao conceito de consumo responsável.

Na relação com a sociedade e consumidores, o papel das florestas no âmbito das mudanças climáticas exige o que parece ser a principal inovação em modelos de gestão: ampliar a integração do mundo florestal com outros setores, como energia e agronegócio, dentro do contexto de “gestão da paisagem” (landscape models), que inclui restauração e serviços ambientais. No conceito das capacidades dinâmicas não cabe o foco míope no ambiente interno das corporações e suas propriedades.

Não há como ignorar que a tendência do setor florestal é ser protagonista das principais exigências do uso ampliado do solo ocupado por suas árvores e indústrias. A visão espacial e territorial, com seus complexos componentes sociais, ambientais e políticos, precisa fazer parte do repertório dos gestores da indústria.


Clique aqui e confira a sexta parte do artigo.

[Foto: Chokniti Khongchum/Pexels]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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