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Baixas emissões de carbono no uso da terra (parte 6): agricultura

por | 12/04/2017 | Mudanças climáticas, Sustentabilidade

Artigo publicado originalmente no site da Fundação Renova.

Agricultura de baixo carbono

A evolução da agricultura brasileira foi puxada pela expansão territorial e o desenvolvimento tecnológico, gerando crescente produtividade, tendo como consequência ampla inserção e liderança em mercados internacionais. O Brasil tornou-se uma referência na produção de alimentos, fibras e bioenergia. Além da tecnologia público-privada, essa trajetória se pautou em um aparato de políticas agrícolas (preços mínimos, crédito agrícola e extensão rural) que promoveram a melhora da tecnologia em si e as condições para expandir a produção e a produtividade no Brasil.

O crédito agrícola para investimento foi um fator determinante para a adoção de mecanização, adaptação a diferentes ecossistemas, maior eficiência no uso de insumos, cultivo mínimo, controle de pragas e agricultura de precisão. Com a crescente pressão sobre a sustentabilidade, os objetivos das políticas agrícolas estão se alterando, tornando-se mais transversais, ampliando seu escopo para segurança alimentar, preservação ambiental e zoneamento agrícola.

Atualmente, o setor agropecuário brasileiro é financiado por três fontes principais: o sistema público (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, bancos estaduais e regionais), bancos privados, empresas de insumos e traders, além de recursos dos próprios produtores. Com isso, a evolução da agricultura para a incorporação de práticas de baixo carbono depende de um trinômio representado por políticas públicas, crédito e pressões mercadológicas nacionais e internacionais.

A Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC) brasileira faz referência à recuperação de 30 milhões de hectares em pastagens degradadas, sendo metade diretamente relacionada ao Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC) e à implantação de sistemas integrados de produção agropecuário-florestal. O agronegócio responde por cerca de 1/4 do produto interno bruto nacional e quase metade das exportações. As metas de emissões nacionais mencionam isso explicitamente, o que indica quão determinantes são a economia de baixo carbono e o uso da terra para o desenvolvimento nacional. É um setor-chave para que o país atinja sua meta global de redução de gases-estufa.

Os principais temas e tendências do setor têm sido a intensificação da produção, a racionalização do uso do solo e a recusa à conquista de novos territórios, notadamente florestais. A degradação de áreas de pastagens contribui fortemente para as emissões nacionais, junto com a conversão de florestas e de áreas do Cerrado. Elas estão associadas à decomposição de matéria orgânica e à ineficiência do uso do solo para ganho de peso dos animais. A recuperação e a manutenção da produtividade das pastagens contribuem para aumentar a taxa de lotação dos pastos e a mitigação da emissão de gases-estufa.

A agricultura de baixo carbono depende de tecnologias de produção voltadas para sistemas integrados de produção (pecuária-floresta), aumento da capacidade de suporte de pastos e busca de balanço neutro de emissões. No entanto, o debate sobre a agricultura de baixo carbono é amplo. Não se restringe a um modelo único ou especificamente dedicado a uma forma de produção. Também é relevante o volume de emissões decorrentes do uso de fertilizantes, notadamente os nitrogenados.

Organizações como o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, a Climate Policy Initiative, o Imaflora e o Rabobank têm se dedicado a apontar caminhos para a adoção de práticas com menor incidência de externalidades negativas no agronegócio. Há uma forte correlação entre a produtividade e programas de sustentabilidade, inclusive custos e acesso diferenciado a mercados. Diferentemente do setor florestal, o acesso a créditos é determinante nesse segmento. Instrumentos como Protocolo Verde, Programa ABC, diretrizes da Febraban, Princípios do Equador e Banking Environment Initiative podem ser fortes instrumentos indutores.

Uma das principais fronteiras inovadoras é o desenvolvimento de sistemas agroflorestais, ou consórcio de culturas agrícolas com espécies arbóreas. Eles são usados para combinar restauração florestal com recuperação de solos e produção de alimentos, madeira e energia.

Um conjunto amplo de tecnologias minimiza riscos de degradação, busca a otimização da produtividade com uso mínimo de agroquímicos e controle de externalidades com foco na maior harmonização de funções ecológicas, possibilitando o estabelecimento de uma melhor inter-relação entre solo, fauna, flora e clima.

Caminhos a seguir

De uma forma sintética, talvez o conceito mais poderoso ligado ao uso da terra seja o de gestão da paisagem, contemplando habitação, produção e conservação de maneira integrada e articulada. Este conceito se assenta em alguns pilares críticos:

  1. Transparência no uso da terra e na rastreabilidade dos produtos dela derivados;
  2. Reconhecimento do valor (não só econômico) do capital natural;
  3. Racionalidade e eficiência no uso de recursos naturais;
  4. Restauração do capital natural degradado e subutilizado;
  5. Reconhecimento da produção de externalidades positivas e remuneração por serviços ambientais;
  6. Punição social e econômica pela produção de externalidades;
  7. Integração social, conectando campo e cidades;
  8. Integração de logística e consumo responsável de bens oriundos do uso da terra;
  9. Atenção à inovação em produtos, serviços e modelos de gestão relacionados à baixa emissão de carbono;
  10. Planejamento integrado de médio e longo prazos

A articulação do setor produtivo ligado ao uso do solo com a sociedade civil aprende progressivamente a lidar com a complexidade da governança multistakeholder. Ao desafio da complexidade busca-se responder com clareza de ações para promover a confiança e progressos inovadores conjuntos, por meio da cooperação.

Iniciativas como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e seus mais de 130 membros indicam que a consolidação da economia de baixo carbono, associada ao uso da terra, demanda uma série de elementos:

► efetiva e transparente implementação do Código Florestal, tendo o Cadastro Ambiental Rural (CAR) como pilar central, permitindo à sociedade criar seus próprios instrumentos para monitorar a qualidade dos mapeamentos e propor sistemas de gestão integrada da paisagem;

► estabelecimento de planos para regularização fundiária em ordenamento territorial, equacionando conflitos decorrentes da sobreposição de direitos de propriedade e de uso da terra;

► crescente participação da agricultura de baixo carbono no cenário da produção de alimentos no Brasil, tendo como pilar central a política de créditos, a inovação e a ampla disseminação de práticas sustentáveis, como a intensificação da produção, a recuperação de áreas degradadas e de pastagens, a integração lavoura-pecuária-floresta, a disseminação de sistemas agroflorestais, o plantio direto e outras iniciativas dessa natureza;

► efetiva restauração florestal, integrada à produção de alimentos, energia e fibras, com contundente provimento de serviços ambientais relacionados ao clima, regime hídrico, biodiversidade e qualidade do solo. Aqui, é vital o desenvolvimento tecnológico da silvicultura de espécies arbóreas nativas;

► vigorosa retomada da agenda nacional da bioenergia, com integração ao etanol de produtos como biodiesel e combustíveis oriundos de florestas;

► consolidação da economia da floresta tropical, historicamente relegada a informalidade, ilegalidade e impunidade, por meio do estímulo ao manejo florestal sustentável em florestas tropicais e de mecanismos eficientes de rastreabilidade de produtos florestais madeireiros e não madeireiros;

► compromisso de eliminar totalmente o desmatamento e a degradação florestal nas cadeias de suprimento de produtos alimentares, fibras ou energia;

► incorporação da prática de informação pública de inventários de emissões de gases-estufa, assim como de planos para mitigar as respectivas emissões;

► remuneração eficaz por serviços ambientais, com reconhecimento do valor do carbono e de mecanismos de transação a ele associados;

► inserção e liderança do Brasil na cooperação internacional relacionada ao uso da terra e à economia de baixo carbono; adoção de incentivo e reconhecimento prioritário a práticas de baixo carbono no comércio internacional de commodities.

A interdependência de setores envolvidos no uso da terra poderá efetivar a troca do “ou” pelo “e”: é possível produzir e conservar, deixando para trás o falso paradigma de produzir ou conservar. Dificilmente outros países conseguirão competir com o Brasil nesse campo. O sinal de que o planeta caminhará para a economia de baixo carbono está dado. Se bem conduzido, o Brasil poderá ter uma posição competitiva única e extremamente favorável na produção de commodities relacionadas ao uso da terra, conseguindo ao mesmo tempo valorizar e conservar seu imenso capital natural.

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Confira o arquivo com toda a série “Baixas emissões de carbono no  uso da terra

[Foto: Gustavo Baxter/Nitro]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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