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Bioinvestimentos

por | 01/12/1986 | Gestão tecnológica e inovação

Artigo publicado originalmente na revista Status, no 149 (ed. Três)

Um dos negócios mais cobiçados do mundo, capaz de a cada novo movimento causar estremecimentos em Wall Street, tem um nome pomposo e um futuro tão ou mais cintilante que o da informática: biotecnologia. Olhada como disciplina científica, é uma complexa combinação de teorias e técnicas de diversos campos, particularmente da bioquímica, microbiologia, genética, engenharia e informática. Seu campo de trabalho, genericamente, é operar com organismos vivos para fazer ou modificar produtos, alterar plantas e animais. O uso de organismos vivos para a fabricação de produtos é antigo: o pão, o vinho, a cerveja e a coalhada são obtidos ou modificados através de processo de fermentação provocado por microrganismos.

A biotecnologia, hoje, explode no setor econômico exatamente por simplificar, abrir possibilidades e determinar soluções. Siglas como DNA (Ácido Desoxirribonucleico) e rDNA (r = recombinante) e MAB (anticorpos monoclonais) brevemente se tornarão mais íntimas, como aconteceu com bits, bytes, chips etc… na computação. Nos últimos 30 anos, a biologia molecular se preocupou em entender a herança genética. Foi com James Watson e Francis Crick que se iniciou a descrição da estrutura do DNA, possibilitando aos cientistas a compreensão de como a informação genética é armazenada dentro da célula, como esta informação é duplicada e como se transmite de célula para célula, geração para geração. O DNA é a parte da célula que contém a informação genética. Baseado neste conhecimento, mais recentemente cientistas descobriram a possibilidade de transferir parte da informação genética (gene) de uma célula para outra. Esta habilidade de recombinar a informação genética é conhecida pelo nome de Engenharia Genética, ou pela sigla rDNA (DNA recombinante).

A engenharia genética fatalmente contribuirá para a melhoria da qualidade e expectativa de vida, com fortes influências nos setores de saúde, alimentação e agropecuária. O alto grau tecnológico alcançado e a quantidade de informação acumulada tornam a atividade atrativa para investimentos de risco. No final do ano de 1986, o total de investimentos privados em biotecnologia ultrapassou os US$ 4 bilhões. A área dominante foi a saúde humana, responsável por um total de US$ 3 bilhões (75% do total investido). A alocação dos recursos distribuiu-se entre produtos terapêuticos para câncer (43% ou US$ 1,715 bilhão), outros terapêuticos (19% ou US$ 773 milhões) e produtos para diagnóstico (13%, US$ 519 milhões).

A segunda posição em investimentos é ocupada por setores agrícolas, com US$ 633 milhões (16% do total), distribuídos entre melhoramento genético de plantas (12% ou US$ 479 milhões) e pesticidas/herbicidas biológicos (4% ou US$ 154 milhões).

Os demais investimentos (9%) proveram fundos para áreas de química fina (4% ou US$ 163 milhões), produtos para pesquisa (3% ou US$ 136 milhões) e saúde animal (2% ou US$ 89 milhões).

Em dezembro de 1985, o National Institute of Health (NIH – EUA) apresentou resultados encorajadores no uso da Interleuquina 2 no tratamento do câncer. Este anúncio provocou uma corrida às ações da companhia californiana Cetus, que sintetiza esta molécula, valorizando suas ações na ordem de 210%. Na mesma época, as ações da empresa Interleukine (Virgínia, EUA) apresentaram valorização de 360%.

Em abril deste ano, com o anúncio pelo mesmo NIH da eficiência da substância TPA (um destruidor de coágulos sanguíneos para uso em ataques cardíacos), as ações da Genentech (Califórnia, EUA) subiram 370%. Com isso, a empresa passou a valer US$ 2,2 bilhões, o suficiente para a compra do resto das empresas de biotecnologia com capital aberto existentes no mundo.

Fatos como este tornaram-se mais e mais comuns na medida em que são lançados novos produtos. Anúncios de descobertas se traduzem imediatamente por ganhos em Wall Street. A introdução dos primeiros produtos provenientes da biotecnologia atesta o vigor e o dinamismo de algumas companhias do setor. No início deste ano, o FDA (Food and Drug Administration – órgão regulador americano) analisava a aprovação de mais de 100 dossiês de produtos farmacêuticos e para diagnóstico.

A biotecnologia se encontra em 1986 no mesmo estágio que a eletrônica no final da década de 60 ou a informática do início da década de 70. No entanto, um ponto essencial a diferencia: os produtos biológicos são obrigatoriamente submetidos a uma estrita regulamentação federal. Este fator faz os prazos para a introdução dos produtos no mercado serem muito longos, criando grande expectativa no mercado de ações do setor.

Há um grande dinamismo nas pequenas empresas de biotecnologia, mas as grandes corporações, multinacionais e principalmente as indústrias farmacêuticas, químicas e petroquímicas como Eli Lilly, Du Pont, Amoco, Monsanto, Dow Chemical, Schering Plough e outras, no entanto, adotaram desde o início uma posição de vigilância. A princípio assinaram uma centena de acordos com as pequenas empresas de pesquisa e desenvolvimento biotecnológico, assegurando desta forma acesso a tecnologias futuras. Fundos provenientes de contratos, joint-venture e projetos de desenvolvimento com participação limitada, durante o período 78-85, atingiram US$ 1,149 bilhão (29% do total investido).

Atualmente, as grandes companhias passam por um processo de aquisição das pequenas. A dificuldade de sobrevivência das pequenas empresas de pesquisa e desenvolvimento se deve principalmente a um processo de diversificação de preocupações (nem sempre bem-sucedido), à fraqueza de suas estruturas comerciais e à necessidade de recursos concomitantes para a sustentação de diversos programas de pesquisa e desenvolvimento. “A temporada de pesca está aberta!”, anuncia a revista francesa Scienes & Techniques. “Com o início da valsa dos elefantes, as pulgas vão ser esmagadas”, adverte Business Week.

As duas empresas que mais investem no setor, recentemente foram incorporadas a grandes multinacionais. Adquirida pela Eli Lilly, a Hybritech (San Diego) é considerada a primeira companhia de biotecnologia que chegou à maturidade. Graças a seus anticorpos monoclonais já comercializa 22 kits de diagnóstico no mercado americano. Outra empresa de diagnóstico, a Genetic Systems (Seattle), foi adquirida pela Bristol Myers Co.

A estratégia adotada pelas grandes companhias américas é relativamente simples: observar as pequenas empresas durante os quatro ou cinco primeiros anos de seu desenvolvimento, assinando acordos múltiplos, e no momento oportuno adquirir o seu controle por ofertas financeiras irrecusáveis.

Algumas multinacionais desenvolvem também vultosos programas de pesquisa e desenvolvimento próprios, como a Monsanto, Du Pont de Nemours, Baxter Travenol e Eastman Kodak.

O papel do mercado de ações na biotecnologia é igualmente relevante. De 1978 a 1985, foi responsável pela provisão de US$ 1,260 bilhão (36% do total) a cerca de 80 empresas americanas com capital aberto. O capital de risco representou 12% (US$ 500 milhões) e os investimentos corporativos 56% (US$ 2,244 bilhões). É importante mencionar que US$ 668 milhões dos investimentos corporativos foram alocados na compra da Hybritech e Genetic Systems.

Atualmente existem no mundo cerca de 300 empresas com atividades na área. O processo de criação das empresas de biotecnologia atingiu seu ápice em 1981, com 43 novas empresas só nos EUA. Os analistas do setor acreditam, no entanto, que cinco entre as dez maiores companhias de biotecnologia do ano 2000 são ainda desconhecidas.

Apesar do grande número de empresas nascentes, as dez maiores organizações do setor agregadamente absorveram 63% (US$ 2,525 bilhões) do investimento privado total. Hybritech (US$ 514 milhões), Genetic Systems (US$ 415 milhões), Genentech (US$ 358 milhões), Cetus (US$ 308 milhões) e Agrigenetics (US$ 199 milhões) lideram o grupo com 44% dos quatro bilhões de dólares gastos.

Em termos mundiais, os EUA lideram os investimentos no setor com 90% do total (US$ 3.661 milhões). Alemanha, Suíça, Itália, Inglaterra, França, Japão e Suécia são responsáveis por mais 9%.

No que se refere às tecnologias, notadamente destacam-se a do DNA recombinante (US$ 2.468 milhões ou 62%) e hibridomas (US$ 1.228 milhões ou 30%).

Em 17 de maio de 1984, o título da seção financeira do New York Times era “Biotecnologia, um ano pobre”. Após dez meses, a tendência inverteu-se. Analistas acreditam que 1987 verá a chegada de novos produtos. Ações de empresas como Applied Biosystems, DNA Plant Technology, Centocor, Monoclonal Antibodies atingiam seu máximo. Nessas condições, é dificílimo falar de recessão no setor. A existência de movimentos aparentemente erráticos no mercado de ações é evento conhecido dos investidores. O que diferencia os empreendimentos biotecnológicos é a amplitude dessas variações. A principal razão, acredita-se, é o fato de que ao nível deste desenvolvimento os analistas não dispõem dos parâmetros de avaliação habituais.

O impacto da biotecnologia no setor da saúde humana é o que mais se faz sentir no momento, e envolve uma complexa interação tecnológica. A moderna biologia molecular em conjunção com ciências biofísicas (modelação de moléculas, bioinformática, cristalografia etc.) vai certamente contribuir para relevantes progressos em química médica, farmacologia e toxicologia. O efeito final será uma explosão de novos sistemas terapêuticos, diagnósticos e profiláticos. Estima-se que o mercado de novos bioprodutos farmacêuticos ultrapassará os US$ 3 bilhões em 1989, e o de diagnóstico com uso de anticorpos monoclonais US$ 800 milhões no mesmo ano.

No Brasil, já se esboçam perspectivas biotecnológicas. O País conta atualmente com cerca de 12 empresas atuantes no setor, sendo a metade originada recentemente. O governo pretende destinar em 1987 2% do PIB para Ciência e Tecnologia (atualmente o percentual está na ordem de 0,6%), reconhecendo antecipadamente a relevância do setor. Os investimentos privados das novas empresas de biotecnologia brasileiras não ultrapassam US$ 30 milhões. Destacam-se organizações atuantes nos setores de saúde (Biobrás e Embrabio) e agrícola (Bioplanta e Biomatrix), embora praticamente nenhum produto originado pela nova biotecnologia tenha sido lançado no mercado, até o momento.

*Este texto foi escrito por Roberto Nolasco e Roberto Waack. Leia ainda uma reportagem sobre Waack na mesma edição, clicando aqui.

[Foto: Artem Podrez/Pexels]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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