Artigo publicado originalmente na revista Opiniões, n. 33, set-nov 2013.
Negócios florestais são excelentes exemplos para tratar da forma como empreendimentos devem ser geridos nessa evidente mudança de paradigma em que vivemos hoje. Foi-se o tempo em que se discutia a pertinência da inclusão de elementos socioambientais na gestão de operações.
É evidente que impactos ambientais, como danos aos recursos hídricos, à biodiversidade e aos ecossistemas de alto valor de conservação, emissão de poluentes, disposição de resíduos, degradação do solo, têm que ser levados em conta nas decisões estratégicas e operacionais.
Felizmente, da mesma forma, não há a menor possibilidade de incorporação de práticas como trabalho em condições degradantes, contratações informais e cerceamento da liberdade de organização. Segurança no trabalho e relacionamento com as populações que vivem no entorno das operações são requisitos mínimos para qualquer empreendimento, rural ou urbano.
A gestão dessas práticas é fator de diferenciação empresarial. A forma como as empresas lidam com esses assuntos é um elemento competitivo central. Ou seja, o tempo “do que deve ou não ser feito” passou. Vivemos o momento do “como incorporar essas práticas no dia a dia”. O setor florestal foi um dos primeiros a lidar com esses elementos de forma concreta.
Desenvolveu um dos primeiros e, hoje, o mais reconhecido e bem-sucedido sistema de certificação independente do planeta, o selo FSC – Forest Stewardship Council. Embora ainda objeto de saudáveis discussões e controvérsias, além de ser demandante de desenvolvimentos complementares, a certificação florestal trouxe para o mundo empresarial o exercício da governança multistakeholder.
Um conceito extremamente simples: é preciso ouvir a sociedade e considerar as demandas das partes afetadas, para a definição das práticas operacionais, administrativas e comerciais.
A certificação coevoluiu com o evidente aumento do poder da sociedade civil na definição do que é aceito como efeitos primários e secundários da atividade produtiva. Instrumentalizou, por meio de princípios, standards e sistemas de auditorias independentes, como as empresas devem operar. Não só lida com “o quê”, mas apresenta concretos caminhos para “o como”.
À frente do seu tempo, é provocativa, inquietante, controversa, instável e, por vezes, imprevisível, por ser uma construção coletiva, com implementação quase simultânea à sua formatação. Mas é, evidentemente, vencedora. O setor florestal foi a plataforma para modelos de gestão certificados, que hoje contaminam os mais diversos setores da economia, como o agronegócio, a mineração, o turismo e vários outros.
Missão cumprida? Certamente, não. Se, por um lado, a incorporação de elementos socioambientais e a licença social via certificação já fazem parte das ferramentas fundamentais da gestão, o desafio da incorporação de novos modelos empresariais e de negócios alinhados com o novo paradigma da relação com os recursos do planeta permanece a ser consolidado.
Explico melhor: o enfoque a que me referia nos parágrafos anteriores tratava de evitar, mitigar ou compensar impactos negativos das operações, as chamadas externalidades negativas. Não é aceitável e, em vários casos, legalmente impossível, desmatar, poluir, expor pessoas a condições degradantes, etc.
Danos inevitáveis devem ser mitigados ou compensados. Passivos legais são gerados em casos de não cumprimento de regulamentações. Passivos morais e reputacionais são assimilados à imagem das corporações. De uma forma mais simples, práticas socioambientais inaceitáveis (pela sociedade ou pela lei) representam riscos e, com frequência, afetam o valor econômico das empresas.
Um bom gestor não pode deixar de, no mínimo, incorporar esses elementos à sua rotina. No entanto isso soluciona parte da equação, não, necessariamente, incorpora os desafios e as oportunidades de negócios diretamente relacionados ao uso mais racional dos recursos naturais.
A produção de fibras para celulose, painéis ou energia incorporou, em grande parte, as boas práticas mencionadas. Infelizmente, ainda não se pode dizer o mesmo da produção madeireira tropical, embora haja sinais evidentes de que o ambiente institucional do setor aponta para a exigência legal e mercadológica desses elementos.
Mas a floresta vai além da produção de madeira ou fibras. Ela aufere benefícios de outras naturezas para seus proprietários, para as populações do entorno e para a sociedade como um todo. A atividade florestal bem gerida tem externalidades positivas inquestionáveis.
Já são bastante comentados e estudados os efeitos no estoque e sequestro de carbono, a manutenção da biodiversidade, a preservação de recursos hídricos, a conservação de solos, a regulação de chuvas e efeitos térmicos, o enriquecimento da paisagem, o abrigo à diversidade cultural, a oferta de energia, alimentos e matérias-primas não madeireiras, além da composição de saudáveis mosaicos no uso ampliado da terra, integrando-se à agricultura ou à mineração, por exemplo.
O desafio a que me referia é a consolidação de modelos de negócios que integrem esses elementos no centro de suas atividades. Empreendimentos que vão além da simplista incorporação desses temas a suas missões, descritas em pôsteres e disseminadas em peças de comunicação. Corporações que saibam gerir esses ativos de forma a garantir escala e compartilhar amplamente seus valores.
Ativos monetizáveis, compreensíveis e atrativos para o mercado financeiro, com claros efeitos no valor das organizações que a ele se dediquem. Ativos que, ao mesmo tempo, representem benefícios para quem se envolver diretamente com sua conservação e sua produção, para quem viver em seu entorno e para a sociedade em geral.
A abordagem pode parecer por demais socioambientalista, mas há exemplos práticos em direções de outra natureza. O agronegócio é um dos maiores detentores de florestas no Brasil. Sem entrar na pertinência ou não do Código Florestal, o uso da terra está diretamente associado à coexistência da atividade agropecuária com a silvicultura.
Provavelmente, uma situação com maior grau de intensidade no nosso país, mas crescentemente válida no mundo todo, especialmente nas economias emergentes. Pode-se argumentar se essa situação representa um ônus para o agronegócio, mas, certamente, o caminho inexorável da lei e das demandas da sociedade é que deveria ser considerado e, principalmente, gerido como um bônus.
Um país que conta com imensas áreas subutilizadas como o nosso, com as condições de clima, relevo e solo, pode, como nenhum outro, surfar nas oportunidades de novos modelos de negócio que integrem florestas à pecuária, agricultura, mineração, turismo e outras atividades.
Negócios voltados para a recuperação de áreas degradadas com o plantio de florestas, por exemplo, são completamente alinhados com cenários futuros de crescente demanda por terra, fibras e energia. Empreendimentos florestais que vão além da lição de casa básica do cuidado com as externalidades negativas, mas que se fundamentem nas externalidades positivas.
Há mais boas notícias para os gestores florestais!
As grandes empresas de consultoria, seguradoras e importantes agentes financeiros estão empenhados em incorporar as externalidades nos balanços e nas metodologias de cálculos de valor das empresas. As negativas, evidentemente, corroem valor. As positivas constroem.
Os desafios no campo da contabilidade estão sendo enfrentados por organizações como GRI – Global Reporting Inititive e IIRC – International Integrated Reporting Council e, no Brasil, especialmente considerados, pela Bovespa. A discussão, complexa, vai além da simples monetização dessas externalidades, mas engloba o desenvolvimento de sistemas contábeis que incorporem ativos intangíveis derivados dessas externalidades.
Florestas têm grande potencial nesse novo paradigma. Mais uma vez na fronteira, forjando novos modelos de negócios, estratégias e rotinas de administração. Várias corporações do setor, no Brasil e no exterior, estão na linha de frente.
Lidam, como aconteceu com a consolidação da certificação, com inquietudes, instabilidades, incertezas e imprevisibilidade. Convivem, ao mesmo tempo, com a informalidade, a ilegalidade e a impunidade que caracterizam o mundo da floresta tropical. Navegam com vários elementos intangíveis.
Haja “is”! Haja oportunidade! Haja desprendimento! “Floresteiros”, mãos à obra! O “i” da inovação na gestão bate novamente à porta. O “i” da integração dos ativos tradicionais e tangíveis com os intangíveis é evidente. O “i” da interconexão da floresta com as finanças é necessário. O jogo é bom e vale a pena.
*Roberto S. Waack é CEO da Amata
[Foto: Anderson Conceição/Unsplash]