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Para COP, Brasil precisa dar protagonismo à equipe econômica

por | 21/10/2021 | Amazônia, Mudanças climáticas

Artigo publicado originalmente no Reset

Por Francisco Gaetani e Roberto Waack*

O Brasil vai levar para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow, uma posição melhor do que a de Madrid, que marcou, sem dúvida, a pior participação do país em uma arena internacional sobre um tema em que éramos líderes globais.

A atuação da diplomacia ambiental brasileira sempre foi reconhecida como uma das grandes responsáveis pelos avanços internacionais na agenda de meio ambiente, em especial no que se refere à temática da mudança climática. Hoje o país joga no time do atraso.

A atuação do atual governo destruiu décadas de trabalho sério na frente internacional e desqualificou o papel do Brasil em discussões estratégicas globais sobre os termos de acordos que representam esforços de avanços civilizatórios.

Espera-se em Glasgow um Brasil diferente, mesmo que longe de seu potencial de contribuição.

Os posicionamentos dos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores têm sido cautelosos, construtivos e dialógicos. A comunidade ambientalista segue desconfiada das reais intenções do governo, em especial em função da pauta legislativa, sempre gravitando em torno do comportamento da “boiada” que busca atalhos para aprovação de projetos problemáticos para a agenda ambiental, se possível sem chamar a atenção da mídia e da opinião pública.

O governo parece não ter se dado conta de dois aspectos importantes referentes à COP 26.

O primeiro é de mais simples equacionamento. A maior parte das delegações participantes tem nas equipes das áreas econômicas seus principais negociadores. Faz tempo que a mudança climática é um assunto situado na esfera do desenvolvimento nacional.

As estratégias nacionais de neutralização das emissões de carbono são protagonizadas por ministros da Economia. A reestruturação produtiva em curso nos países desenvolvidos ocupa o centro da agenda nacional destes países: verde, digital e inclusiva. Em resumo, sem a participação ativa dos quadros do Ministério da Economia na condução das negociações em Glasgow, o país terá tratamento protocolar.

Fundo Amazônia

O segundo desafio é mais sensível. Sem destravar o Fundo Amazônia, nada do que o país falar sobre captação de recursos para apoiar a preservação e/ou exploração sustentável da floresta será levado a sério.

Não há explicação racional para o Brasil bloquear doações internacionais destinadas ao desenvolvimento sustentável da região, gerenciadas pelo BNDES, submetidas a auditorias dos órgãos de controle interno e externo, avaliadas de forma independente e que contavam com o suporte de todos os stakeholders envolvidos no assunto.

É possível criticar o BNDES por muitas coisas, mas não pelo zelo no gerenciamento dos recursos do Fundo Amazônia. A extinção do Conselho Orientador do Fundo Amazônia não foi efeito colateral do “decretaço” de 2019. Foi um ato deliberado e, como várias outras ações, desprovido de qualquer preocupação com as consequências.

O desinteresse do Governo na sua recriação — apesar dos esforços em sentido contrário de noruegueses e alemães, governos estaduais e municipais, empresas e entidades empresariais, instituições acadêmicas e das organizações da sociedade civil — é uma sinalização inequívoca para a comunidade internacional de que o país não precisa de recursos. Simples assim.

O Fundo Amazônia alocou até o final do ano passado R$ 476 milhões em produção sustentável, R$ 852 milhões em monitoramento e controle do desmatamento, R$ 253 milhões em ordenamento territorial e R$ 243 milhões em ciência, tecnologia e inovação.

Deste total, 61% foram destinados a organizações do setor público e 38% a organizações da sociedade civil – 1% para a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Existe um total ainda disponível para novos projetos da ordem de R$ 3,1 bilhões.

O Brasil é relevante no cenário das negociações climáticas internacionais em função de ser um dos grandes emissores de carbono devido ao porte da sua economia e, em especial, por causa do papel cumprido pela Amazônia nesta equação planetária.

Apesar de discursos que defendem que o direito de destruir ou proteger a floresta é uma questão de soberania, felizmente a sociedade civil tem sido suficientemente madura para compreender que o desafio consiste em buscar o desenvolvimento da região de modo a capitalizar esse imenso tesouro natural, sem prejuízo da população da região e de seus povos originários.

Os negociadores internacionais dos países que comparecerão a Glasgow não são nem ingênuos nem idiotas. Mudança climática deixou faz tempo de ser um tema ambiental. Trata-se de um dos dois maiores processos de transformação em curso no planeta – o outro é a transformação digital. Glasgow não é lugar para conversa fiada.

Se o governo brasileiro deseja se fazer ouvir no debate internacional, precisa sinalizar por meio de atos que deseja negociar em boa fé. Recriar o Conselho Orientador do Fundo Amazônia pode contribuir para restituir ao país um lugar na mesa que conta nas negociações climáticas.

A área econômica, constituída em especial pelo Ministério da Economia, Banco Central e BNDES, tem se esforçado para fazer o controle dos danos produzidos nos anos recentes. O custo de oportunidade dos anos perdidos é irreversível. O restabelecimento do fluxo de recursos disponibilizados por doadores internacionais para a Amazônia é um passo pequeno, porém importante para o país recuperar seu papel no enfrentamento da mudança climática.

* Francisco Gaetani é doutor em administração pública, professor da Ebape/FGV do Rio e integrante da coalizão Uma Concertação pela Amazônia.
Roberto Waack é biólogo e tem longa carreira como executivo e empreendedor. Foi CEO da Fundação Renova e Amata, cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.

[Foto: James Glen/Pixabay]

 

ROBERTO S. WAACK

É membro dos conselhos da Marfrig, Wise Plásticos, WWF Brasil, Instituto Ethos, Instituto Ipê e Instituto Arapyaú e visiting fellow do Hoffman Center da Chatham House (Londres). Tem uma longa carreira como executivo e como empreendedor, tendo atuado em empresas nas áreas farmacêutica, de biotecnologia e florestas. Foi CEO da Fundação Renova, entidade responsável pela reparação do desastre de Mariana (MG), co-fundador e CEO da Amata S.A. e CEO da Orsa Florestal, além de diretor da Boehringer Ingelheim e Vallée. S.A. É cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Atuação profissional com concentração em governança, planejamento e gestão estratégica, gestão tecnológica&inovação e sustentabilidade. Formado em biologia e mestre em administração de empresas pela USP.

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